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Composto de lodo têxtil em plântulas de soja e trigo (página 2)

Hélio Mitoshi Kamida; Lucia Regina Durrant; Regina Teresa Rosim Monteiro; E

Introdução

O interesse pela produção de compostos orgânicos a partir de resíduos industriais, tais como lodos, tem crescido como alternativa tanto de redução do volume desse passivo ambiental quanto de obtenção de um produto a ser utilizado em solos agrícolas. O lodo biológico têxtil é de composição variável (Balan & Monteiro, 2001) e normalmente possui teores elevados de matéria orgânica, N, P e micronutrientes (Martinelli et al., 2002). Além disso, contém corantes com metais pesados e agentes patogênicos. Por causa dessa composição e do risco associado com o uso agrícola direto do lodo, a compostagem vem sendo proposta como uma forma alternativa de tratamento. A compostagem é um processo biológico, no qual vários grupos de microrganismos decompõem o substrato orgânico produzindo água, dióxido de carbono e matéria orgânica maturada (Carvalho, 2002). Este processo pode ser realizado em condições aeróbias ou anaeróbias. Segundo Frassinetti et al. (1990), em condições aeróbias, os microrganismos se desenvolvem e transformam a matéria orgânica, eliminando a toxicidade do resíduo.

A avaliação de compostos orgânicos industriais para uso agrícola tem levado em consideração apenas o conteúdo de elementos químicos, principalmente metais pesados, que podem estar presentes em concentrações elevadas (Kapanen & Itavaara, 2001). Estes mesmos autores sugerem que são necessários estudos para avaliar a toxicidade do composto antes de determinar valores-limite para sua aplicação no solo. Segundo Tiquia et al. (1996), a avaliação da toxicidade do composto é um dos mais importantes critérios usados pelas agências ambientais do mundo. A OECD (1984) recomenda testes de fitotoxicidade na germinação de sementes e crescimento vegetal como as técnicas mais comuns na avaliação de compostos e, entre as espécies de plantas, incluem-se monocotiledôneas e dicotiledôneas.

O termo fitotoxicidade está normalmente associado a substâncias potencialmente tóxicas, como metais pesados, que se acumulam nos tecidos da planta, afetando seu crescimento e desenvolvimento (Chang et al., 1992). Por causa dessas características, as plantas são usadas como bioindicadoras de substâncias potencialmente tóxicas (Pandolfini et al., 1997). Hauschild (1993) relata que qualquer mudança nas condições ambientais, principalmente por causa da poluição química, pode ser detectada nas plantas pela produção, acumulação e ativação de compostos na forma de enzimas ou metabólitos em resposta ao estresse ocasionado, assim como pela redução na produção de matéria seca e no crescimento radicular. Fletcher (1990) relata que mudanças fisiológicas e bioquímicas como atividade da peroxidase, respiração, teor de clorofila nas folhas podem ocorrer em plantas expostas a substâncias tóxicas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do composto de lodo têxtil sobre plântulas de soja e trigo.

Material e Métodos

O composto utilizado foi obtido a partir da mistura do lodo biológico, coletado de uma industria têxtil do Município de Americana, SP, com um material estruturante (cavaco de madeira) necessário para composição da pilha de compostagem. O processo durou 90 dias e, ao final, foram coletadas 20 subamostras em vários locais da pilha, para formarem uma amostra composta cujas características químicas são apresentadas na Tabela 1.

O composto de lodo têxtil foi misturado com água e solução nutritiva de Hoagland nas seguintes concentrações: 19 g L-1 (19 g de composto em 1.000 mL de água e solução nutritiva); 38 g L-1 (38 g de composto em 1.000 mL de água e solução nutritiva); 76 g L-1 (76 g de composto em 1.000 mL de água e solução nutritiva); 152 g L-1 (152 g de composto em 1.000 mL de água e solução nutritiva). Um controle, constituído de água e solução nutritiva, foi incluído no experimento. As concentrações utilizadas equivalem a aplicação de 19, 38, 76 e 152 Mg ha-1, admitindo-se a incorporação ao solo até a profundidade de 0,1 m. As quantidades de N do composto aplicadas correspondem, respectivamente, a uma, duas, quatro e oito vezes a fertilização com 100 kg ha-1 de N (Cetesb, 1999).

Sementes de soja (cultivar IAC Foscarin) e trigo (cultivar IAC 305) foram pré-germinadas em papel de germinação umedecido em água destilada durante cinco dias em uma sala de germinação sob condições controladas, temperatura de 25ºC e fotoperíodo de 14/10 horas. Foram utilizados vasos de plásticos de 2 L. Cada vaso recebeu dez plântulas distribuídas em uma placa de isopor (15 mm de espessura) com diâmetro compatível à parte superior do vaso. As plântulas cresceram nesses vasos, durante 15 dias, em sistema de hidroponia em casa de vegetação, temperatura de 20ºC a 28ºC e fotoperíodo ambiente, acrescidas dos extratos do composto e com as raízes mantidas sempre aeradas por meio de um compressor de ar. Após esse período, as plântulas foram colhidas e nelas foram avaliados sintomas de toxidez nas folhas, massa da matéria seca total, altura da parte aérea, comprimento radicular, conteúdo de clorofila e atividade da peroxidase das folhas e raízes.

Os sintomas de toxidez foram avaliados por meio de uma escala de notas, variando de 0 a 4, ou seja: 0, nenhum sintoma; 1, pequenos pontos cloróticos nas bordas das folhas; 2, clorose nas bordas das folhas; 3, pontos necróticos nas bordas das folhas; e 4, necrose nas bordas das folhas. A altura da parte aérea e o comprimento radicular foram determinados com régua milimetrada. O conteúdo de clorofila foi determinado com clorofilômetro portátil, modelo Minolta SPAD-502 e as leituras foram feitas em pontos situados entre o meio e dois terços do comprimento da folha, a partir da base, e a 20 mm de uma das margens da folha.

Amostras de 100 mg da parte aérea e raízes foram maceradas em N líquido e homogeneizadas em 3 mL de tampão fosfato de sódio (Na2HPO4/NaH2PO4) 0,01 mol L-1, pH 6,0 e centrifugadas a 20.000 g, por 25 min a 4ºC. A atividade da peroxidase foi medida pela adição de 100 mL do sobrenadante em 2,9 mL de tampão fosfato contendo guaiacol e água oxigenada. A leitura de absorbância foi feita em espectrofotômetro a 470 nm e a atividade enzimática foi expressa em A470 min-1  mg-1 da amostra fresca.

As plântulas foram secadas em estufa a 65ºC, até atingir massa constante, sendo esta a massa da matéria seca total.

Utilizou-se um delineamento experimental inteiramente casualizado com quatro repetições. Os dados foram submetidos à análise de variância, e as médias comparadas pelo teste de Duncan a 5% de probabilidade ou análise de regressão.

Resultados e Discussão

O aumento das concentrações do composto de lodo têxtil, acima de 19 g L-1, provocou diminuição significativa na massa da matéria seca total, altura da parte aérea e comprimento radicular das plântulas de soja e trigo (Figura 1). A análise de regressão mostrou que a curva polinomial quadrática foi a que melhor se ajustou aos dados, com R2>0,90. Houve uma redução, em relação ao controle, de 29% a 34% na massa da matéria seca total; de 15% a 36% na altura da parte aérea e de 28% a 67% no comprimento radicular das plântulas de soja com a aplicação de 38, 76 e 152 g L-1, respectivamente. Quanto às plântulas de trigo, houve redução, em relação ao controle, de 10% a 40% na massa da matéria seca total; de 5% a 17% na altura da parte aérea; e de 40% a 54% no comprimento radicular com a aplicação de 38, 76 e 152 g L-1, respectivamente. A aplicação de 19 g L-1 do composto não apresentou efeitos negativos nas variáveis avaliadas, em relação ao controle.

A diminuição na massa da matéria seca total é um indicativo do potencial efeito adverso de substâncias às plantas (Kapustka, 1997) e indica que, provavelmente, o aumento das concentrações provocou toxidez por metais pesados, principalmente Cu e Zn, que se encontram em maiores quantidades no composto (Tabela 1), embora o composto de lodo têxtil utilizado apresente níveis de metais pesados inferiores aos limites máximos recomendado pela Cetesb (1999). A redução no crescimento é o principal sintoma de toxidez apresentado pelas plantas (Marques et al., 2002). Na concentração de 38 g L-1 (taxa de 38 Mg ha-1), os níveis de Cu e Zn na solução foram equivalentes, respectivamente, a 4,2 e 15 mg L-1, considerando a concentração destes elementos no composto e a taxa de aplicação. Estes níveis estão muito abaixo dos descritos por Wallace & Wallace (1994) para o surgimento de sintomas de toxidez por Cu e Zn (20 e 80 mg kg-1, respectivamente) em plantas ornamentais cultivadas em solos adubados com lodo de esgoto. Para as plantas, a biodisponibilidade de metais pesados é significativamente diminuída no solo, por causa da interação desses elementos com os colóides do solo (McBride et al., 1998). No presente trabalho, a biodisponibilidade dos metais para as plantas foi máxima, uma vez que os mesmos estavam em solução e, desta forma, os níveis tóxicos são significativamente mais baixos. Ali et al. (2004), comparando um solo artificial e outro natural, observaram que os níveis de toxidez por metais, para cevada, no solo artificial foram mais baixos e concluíram que, nestas condições, existe a máxima biodisponibilidade dos metais.

O crescimento radicular foi mais sensível que a parte aérea às altas concentrações do composto. Houve um declínio significativo na relação raiz/parte aérea das plântulas de soja e trigo em concentrações iguais ou superiores a 38 g L-1 (Tabela 2). Ali et al. (2004) também observaram que as raízes são mais sensíveis que a parte aérea à presença de metais pesados. Normalmente a toxicidade dos metais inicia-se na raiz, que é o principal órgão da planta tanto na absorção quanto no acúmulo desses elementos (Marques et al., 2002). Desta forma, a aplicação do composto afetou mais o sistema radicular do que a parte aérea, e conseqüentemente a relação raiz/parte aérea é fortemente diminuída (Oncel et al., 2000). A inibição do crescimento radicular é um dos principais bioindicadores para estudos de fitotoxicidade de compostos orgânicos (Campbel et al., 1995).

As plântulas de soja e trigo apresentaram uma significativa diminuição no conteúdo de clorofila a partir de 76 g L-1 (Tabela 3). Por sua vez, em concentrações a partir de 38 g L-1, observaram-se sintomas de toxidez nas folhas, ou seja, pequenos pontos cloróticos nas bordas até o início da necrose foliar. Powell et al. (1996) observaram uma redução no conteúdo de clorofila em macrófitas aquáticas cujas raízes foram expostas a substâncias potencialmente tóxicas e demonstraram uma relação direta com a dose aplicada. Além disso, Weinstein et al. (1990) relataram que plantas de gladíolo expostas a essas condições apresentaram numerosos sintomas visuais, como lesões e mudanças de pigmentação, sendo a deficiência de clorofila reconhecida pela coloração pálida da folha (clorose). A diminuição do conteúdo de clorofila ocasiona simultaneamente um decréscimo na fotossíntese líquida (Oncel et al., 2000) e, conseqüentemente, o crescimento das plantas é menor.

A atividade da peroxidase, tanto nas raízes como nas folhas da soja e do trigo, aumentou com a aplicação das concentrações crescentes do composto de lodo têxtil, acima de 19 g L-1 (Figura 2). Este aumento da atividade da peroxidase relacionado com as concentrações do composto é um indicativo de condições adversas no crescimento das plantas, uma vez que a enzima está relacionada ao metabolismo do estresse (Marques et al., 2002) e funciona como uma barreira protetora contra o efeito prejudicial pela peroxidação de substâncias tóxicas presentes no meio (Dhindsa & Matawe, 1981).

A atividade da peroxidase nas raízes foi mais influenciada pelas concentrações do composto do que na parte aérea, como pode ser verificado pelo maior aumento da atividade enzimática nas doses mais elevadas do composto (Figura 2). Este aumento na atividade da peroxidase, correlacionado com a diminuição mais acentuada das raízes, sugere a participação desta enzima na redução do crescimento radicular observado nas concentrações mais elevadas. Segundo Byl et al. (1994), a peroxidase está envolvida no crescimento celular da planta e o aumento da sua atividade ocasiona uma redução no crescimento vegetativo. Correlação significativa entre a atividade da peroxidase e o crescimento radicular também foi encontrada por Pires et al. (2001).

Conclusões

1. O aumento das concentrações do composto de lodo têxtil afeta, de forma prejudicial, as plântulas de soja e trigo.

2. O comprimento radicular e a atividade da peroxidase são as variáveis mais sensíveis à aplicação do composto de lodo têxtil.

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Ademir Sérgio Ferreira de AraújoI; Regina Teresa Rosim MonteiroII; Patrícia Felippe CardosoIII
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