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A grande área de florestas naturais ainda existente no Brasil está localizada na Amazônia e permaneceu praticamente intocada, em sua cobertura vegetal, até a década de 1960. De acordo com dados recentes, a Amazônia apresenta 12,9% de seu território alterado (AGRIANUAL, 2002), em conseqüência das ações antrópicas. Parte dessa alteração é decorrente da implantação de atividades agrícolas estimuladas por incentivos governamentais nas décadas de 1970 e 1980. É previsível que solos sob vegetação natural apresentem determinadas características que são modificadas quando passam a ser utilizados para outros fins. A mecanização agrícola, em busca de uma produtividade cada vez maior, é um dos principais fatores que têm contribuído, em grande escala, para a degradação dos recursos naturais, principalmente a estrutura do solo.
O cultivo intensivo do solo e o seu preparo em condições inadequadas alteram suas características físicas em graus variáveis, o que ocorre no Estado do Amazonas, principalmente nas áreas próximas de Manaus, onde o preparo mecanizado é realizado muitas vezes de forma indiscriminada. Tal prática, associada às precipitações pluvimométricas intensas que ocorrem nessa região, na época de preparo do solo e no crescimento inicial das plantas, constituem fatores responsáveis pela degradação da estrutura e formação de camadas compactadas. As principais alterações evidenciam-se por modificações nos valores de densidade do solo, porosidade total, distribuição do diâmetro dos poros e porosidade de aeração, armazenamento e disponibilidade de água às plantas, infiltração de água, agregação e teor de matéria orgânica (LEITE, 1996; KLEIN et al., 1998; CARVALHO et al., 1999; LONGO, 1999; MELLO IVO & MIELNICZUK, 1999).
Sendo o Latossolo Amarelo muito argiloso e de grande expressão geográfica na região amazônica, cuja exploração desordenada pode levar a acentuadas quedas na produtividade das culturas, o presente trabalho teve como objetivo avaliar as modificações dos seus atributos físicos, quando submetido a diferentes sistemas de uso e manejo, comuns na Amazônia.
O estudo foi conduzido na Fazenda de Ensino e Pesquisa da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade do Amazonas, situada à margem esquerda da Rodovia BR-174 (km 38), Manaus -AM, localizada nas coordenadas geográficas 2º54' S e 60º 01' W. O tipo climático, segundo Köeppen, é Af, caracterizado por apresentar temperatura do mês mais frio sempre superior a 18 ºC, precipitação pluvial do mês mais seco superior a 60 mm e precipitação média anual de 2.400 mm.
O solo foi classificado como Latossolo Amarelo álico, textura muito argilosa (RODRIGUES et al., 1971) e atualmente classificado, segundo EMBRAPA (1999), como Latossolo Amarelo, distrófico, típico, muito argiloso, A moderado, álico, caulinítico, muito profundo, ácido (LAd).
Os tratamentos estudados foram: 1 - milho (Zea mays L.) em sistema de preparo convencional, com uma aração e uma gradagem e controle químico de invasoras (12 anos); 2 - laranja (Citrus spp.) em sistema de preparo convencional, com uma aração, uma gradagem e tratos culturais mecanizados e controle de invasoras com roçagem (10 anos); 3 - pupunha (Bractris gasipaes H.B.K.) em sistema de preparo convencional, com uma aração, uma gradagem e tratos culturais mecanizados e controle manual de invasoras (10 anos); 4 - guaraná (Paullinia cupana var. sorbilis (Mart.) Ducke), com implantação e tratos culturais efetuados manualmente (9 anos); 5 - pastagem (Brachiaria humidicola ) em área com superlotação animal (12 anos); 6 - capoeira em área desmatada, porém não cultivada (6 anos), e 7 - floresta tropical natural, úmida. Cada tratamento teve uma área útil de 600 m2, e os sistemas de uso foram conduzidos na forma de monocultivo durante todos anos para o milho, laranja, pupunha e pastagem; a floresta natural foi desmatada mecanicamente e queimada, e, nos sistemas com guaraná e capoeira, realizaram-se o desmatamento manual e a queima. Efetuou-se a calagem antes da instalação da cultura do milho, laranja, pupunha, guaraná e pastagem para elevar a saturação por bases a 60%, sendo realizada na área com milho, laranja, pupunha e guaraná, adubação anual de 400 kg ha-1, da fórmula 4-30-20, seguindo-se a recomendação para as culturas no Amazonas.
Em setembro de 1997, foram coletadas amostras nas profundidades de 0,0-0,2 e 0,2-0,4 m, com três repetições e cinco subamostras por repetição, para as seguintes determinações: caracterização granulométrica, por dispersão com NaOH (0,1 mol L-1) e agitação lenta durante 16 h, sendo o conteúdo de areia obtido por peneiramento, a argila pelo método da pipeta e o silte por diferença (EMBRAPA, 1979). Para a determinação do grau de floculação, não se utilizou dispersante químico, sendo obtido a partir da expressão (argila total - argila dispersa em água)/argila total. O teor de matéria orgânica foi determinado conforme o procedimento descrito por VETTORI (1969).
A densidade de partículas foi obtida pelo método do balão volumétrico (FORSYTHE, 1971) e a densidade do solo, pelo método do torrão parafinado descrito por BLAKE (1965). Em amostras indeformadas coletadas com anéis volumétricos foram determinadas a microporosidade por secamento (0,006 MPa), em câmaras de pressão de Richards com placa porosa (KLUTE, 1986), e a porosidade total, segundo DANIELSON & SUTHERLAND (1986), sendo a macroporosidade obtida por diferença entre a porosidade total e a microporosidade. A infiltração de água no solo foi determinada pelo método de cilindro infiltrômetro (BERTRAND, 1965).
Os efeitos dos sistemas de uso e manejo do solo sobre as propriedades físicas em cada profundidade foram verificados a partir da análise de variância, seguindo-se um delineamento inteiramente casualizado, com três repetições. A diferença entre as médias foi avaliada pelo teste de Tukey, a 5 % de probabilidade.
Na Tabela 1, verifica-se elevado grau de floculação desse solo, confirmando os estudos de MEDINA (1980) e LEITE & MEDINA (1984). Isso se deve ao alto conteúdo de argila desse solo, que é originado a partir do argilito, bem como um avançado estágio de intemperização. Dessa forma, segundo LEITE (1996), é provável que os óxidos hidratados de ferro e alumínio, comumente abundantes nesses solos, façam com que essa classe de solo apresente esse alto grau de floculação, bem como a matéria orgânica humificada, cujos componentes devem promover forte agregação das partículas minerais.
Pode-se observar na Tabela 1, na profundidade de 0,0-0,2 m, que os sistemas capoeira e floresta apresentaram os maiores valores de matéria orgânica, seguido pelo sistema com guaraná. Os sistemas com milho, pupunha, laranja e pastagem apresentaram os menores valores, não diferindo estatisticamente entre si. Em geral, o mesmo comportamento foi observado na profundidade de 0,2-0,4 m, mostrando o efeito negativo da mecanização no teor de matéria orgânica, uma vez que os sistemas não mecanizados (guaraná e capoeira) apresentaram valores próximos aos da floresta. Corroborando essa constatação, MELLO IVO & MIELNICZUK (1999) verificaram menores teores de matéria orgânica em sistemas de preparo convencional, e CENTURION et al. (2001) observaram decréscimo dos teores de matéria orgânica nas profundidades de 0,0-0,2 m e 0,2-0,4 m, quando se comparam a mata e os diferentes sistemas de exploração. Esses autores afirmam que isso ocorre porque, em sistemas sob cultivo, o revolvimento dos solos aumenta a aeração, favorecendo a mineralização da matéria orgânica.
Os valores superiores de matéria orgânica na camada de 0,0-0,2 m estão relacionados ao acúmulo de restos vegetais na superfície do solo, o que também foi constatado por LEITE (1996), CARVALHO et al. (1999) e LONGO (1999), bem como pela natureza superficial das raízes da maioria dos vegetais (SANCHEZ, 1981).
A densidade de partículas foi menor nos sistemas de uso e manejo não mecanizados (Tabela 2) em relação ao milho, pupunha e pastagem, nas duas profundidades. Isso ocorreu devido aos maiores conteúdos de matéria orgânica, cujo baixo peso específico contribuiu para diminuir a densidade de partículas. Esses valores concordam com os resultados obtidos por LEITE & MEDINA (1984) e LEITE (1996), em sistemas de manejo em Latossolo Amarelo do Amazonas. Nesse contexto, REICHARDT (1975) afirma que a densidade de partículas é pouco influenciada pelo preparo do solo.
Pelos valores de densidade do solo e porosidade (Tabela 2), observa-se que os sistemas de uso com milho, guaraná, capoeira e floresta apresentaram os menores valores de densidade do solo, na camada de 0,0-0,2 m. Esse fato demonstra menor grau de compactação desses sistemas em relação à pupunha e laranja, os quais requerem tráfego constante de máquinas para a realização dos tratos culturais. Esses resultados são concordantes com os obtidos por CARVALHO et al. (1999) e BEUTLER et al. (2001), estudando o efeito de sistemas de preparo mecanizado, os quais encontraram valores bem maiores de densidade do solo em relação às áreas não mecanizadas, na camada superficial. Já a macroporosidade foi superior apenas nos sistemas de floresta, guaraná e capoeira não mecanizados, o que deve estar também relacionado a agregados maiores, estáveis em água.
O sistema de pastagem com superpastejo é o que apresentou maior valor de densidade do solo. Isso ocorre, segundo PETERSON (1970), devido ao pisoteio de animais (bovinos) que apresentam peso corpóreo muito grande e a área da pata pequena, que, ao caminharem pelos pastos, imprimem sobre o solo elevadas pressões, compactando-o até 0,10 a 0,15 m de profundidade.
A densidade do solo na área com milho não diferiu das áreas com guaraná e capoeira, na profundidade de 0,0-0,2 m, com valores inferiores à laranja, pupunha e pastagem. Esse resultado na área com milho ocorre graças às operações de preparo, com uma aração e uma gradagem, que revolvem anualmente o solo e na área com guaraná e capoeira devido à não-mecanização. Na laranja e pupunha, o tráfego de máquinas para a realização dos tratos culturais aumentou os valores de densidade, confirmando os estudos de SALIRE et al. (1994) e HAKANSSON & VOORHEES (1997), que afirmam que o tráfego de máquinas sobre o solo aumenta a densidade. Entretanto, esse efeito é menos evidente na profundidade de 0,2-0,4 m, concordando com estudos de BEUTLER et al. (2001).
A macroporosidade nos sistemas de uso com guaraná e capoeira não diferiu na camada de 0,0-0,2 m, com valores superiores aos sistemas mecanizados, sendo observado comportamento semelhante na camada de 0,2-0,4 m. Nos sistemas mecanizados com milho, pupunha, laranja e pastagem, foram encontrados valores de macroporosidade inferiores a 0,1 m3 m-3 que, segundo ERICKSON (1984), constitui a necessidade mínima de porosidade de aeração para o crescimento radicular da maioria das culturas. Os sistemas de guaraná e capoeira foram os que apresentaram valores de densidade do solo e macroporosidade mais próximos à floresta nativa, em ambas as profundidades.
A porosidade total nos sistemas de uso com guaraná, capoeira e floresta não apresentou diferença nas profundidades de 0,0-0,2 m e 0,2-0,4 m e valores superiores aos sistemas mecanizados, confirmando os estudos de SILVA & MIELNICZUK (1997), CAVENAGE et al. (1999) e BEUTLER et al. (2001). Entretanto, o efeito da ação antrópica foi refletido em aumento da densidade do solo, a qual afetou a macroporosidade, não alterando a microporosidade, confirmando os estudo de DA ROS et al. (1997), CAVENAGE et al. (1999) e BEUTLER et al. (2001), os quais verificaram que a redução da porosidade total é caracterizada inicialmente pela redução da macroporosidade.
A diminuição da porosidade total e o aumento da relação microporosidade/macroporosidade mostram o surgimento de camadas compactadas, como ocorreu nas áreas de milho, pupunha, laranja e pastagem, concordando com os resultados de CORRÊA (1985), em Latossolo Amarelo do Amazonas.
Verificou-se grande variabilidade dos valores de infiltração inicial e básica de água no solo, confirmada pelo coeficiente de variação próximo a 30%, concordando com ARZENO (1990), que encontrou alta variabilidade da infiltração e afirma que é característica típica das propriedades de movimentação tridimensional da água no solo. Apesar disso, foi possível diferenciar os agroecossistemas em relação à infiltração de água.
Na Figura 1, observa-se que os maiores valores de infiltração inicial e básica foram obtidos no solo sob floresta, seguidos pelos sistemas de uso com guaraná e capoeira, os quais não diferiram entre si. Esses resultados estão coerentes com os menores valores de densidade do solo e maiores de macroporosidade, concordando com os estudos de LEITE & MEDINA (1984), CORRÊA (1985), CAVENAGE et al. (1999) e CENTURION et al. (2001), em sistemas de uso e manejo. Segundo CASTRO & VIEIRA (1996), a maior infiltração de água nos sistemas não mecanizados, comparada aos mecanizados, ocorre devido à quantidade, continuidade e tamanho dos poros que são responsáveis pela infiltração de água no solo.
Os maiores valores de infiltração nos sistemas com guaraná, capoeira e floresta devem-se à influência dos atributos físicos do solo, haja vista que os teores de água do solo não apresentaram diferença significativa entre os sistemas de uso (Figura 1).
Os sistemas com milho, pupunha, laranja e pastagem apresentaram valores inferiores para infiltração inicial e básica de água no solo, com destaque para o sistema com pastagem, o qual apresentou maior densidade do solo e menor macroporosidade. Observa-se, ainda, que o sistema milho com revolvimento anual do solo apresentou maior infiltração em relação à laranja e pupunha, coerente com o menor valor de densidade do solo.
A infiltração de água no solo indica diferenças no comportamento hidrodinâmico do solo em função da alteração de sua estrutura. Assim, considerando-se que a infiltração de água reflete bem as condições físicas do solo, tais como a estrutura, a porosidade e a presença de camadas compactadas, pode-se inferir que, no solo estudado, elas sofreram modificações em função do uso e manejo. A taxa de infiltração inicial e infiltração básica decresceu nos sistemas de manejo em relação à floresta natural, concordando com os resultados obtidos por TREIN et al. (1991), ANJOS et al. (1994) e CENTURION et al. (2001). De acordo com a classificação de REICHARDT (1987) para infiltração básica de água no solo, no solo sob floresta, foi classificada como muito alta, seguido do guaraná e capoeira sem mecanização, e milho com revolvimento anual classificados como alta; laranja e pupunha com cultivo mecanizado como média, e pastagem como baixa.
Os agroecossistemas caracterizados no Latossolo Amarelo muito argiloso da Universidade do Amazonas induziram a degradação dos atributos físicos do solo em relação à floresta, quantificada a partir de maiores valores de densidade do solo e menores de macroporosidade, infiltração de água e matéria orgânica, na seguinte ordem crescente: capoeira, guaraná, milho, laranja, pupunha e pastagem.
O solo sem mecanização, com sistemas de uso com capoeira e guaraná, apresentou melhores condições de qualidade, pois a matéria orgânica manteve-se em níveis similares à floresta nativa e com menores alterações nos atributos físicos do solo, comparado aos demais sistemas de uso.
A ação antrópica de derruba manual da floresta foi suficiente para promover alteração nos atributos físicos do solo, demonstrado na área com capoeira em relação à floresta natural.
Zigomar M. Souza 1; José A. Leite 2; Amauri N. Beutler 1
zigomarms[arroba]yahoo.com.br
1. Alunos de Doutorado do Curso de Agronomia/Produção Vegetal, Universidade Estadual Paulista, FCAV/UNESP, Departamento de Solos e Adubos, Jaboticabal - SP, e-mail: zigomar[arroba]fcav.unesp.br, amaurib[arroba]yahoo.com.br. Bolsista da FAPESP
2. Professor Titular, Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Ciências Agrárias, Manaus - AM
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