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Avaliação do clone híbrido a1105 de uvas brancas sem sementes sobre dois porta-enxertos (página 2)

C. V. Pommer

 

 

1. Introdução

O cultivo de uvas de mesa vem ganhando impulso no mundo todo, em especial nas áreas que apresentam vantagens competitivas como colheita fora dos picos de produção, qualidade do produto e baixo custo de produção.

Um dos quesitos de qualidade que tem influenciado decisivamente na implantação de novos vinhedos é a apirenia, ou seja, ausência de sementes. Entretanto, no Brasil, a área cultivada com uvas sem sementes é praticamente nula.

Os fatores geralmente citados como justificativas para isso são: (a) maior exigência de cuidados no cultivo de uvas sem sementes; (b) práticas culturais mais especializadas; (c) maior uso de insumos dispendiosos; (d) falta ou desconhecimento de variedades apropriadas (Terra et al., 1985; Pires et al., 1992).

Os esforços dos programas de pesquisa no mundo para obter cultivares apirenos melhorados têm sido grandes ao longo do tempo, e um razoável número de cultivares foi lançado (Ledbetter & Ramming, 1989). No Brasil, Santos Neto, citado por Terra et al. (1985), obteve alguns deles, como IAC 514-6 'Maria', IAC 457-11 'Paulistinha', IAC 871-13 'A Dona', e IAC 775-26 'Aurora'. Entretanto, apesar de certas boas qualidades presentes em cada um deles, nenhum reúne em si todas as boas características.

Na Califórnia, o Departamento de Agricultura americano (USDA) tem lançado alguns cultivares de uvas sem sementes (Weinberger & Harmon, 1974; Ramming, 1987), alguns deles bem recentemente como Autumn Seedless, Fantasy Seedless e Crimson Seedless, excelentes cultivares, mas quase todos de baixa fertilidade de gemas (Pommer, dados não publicados).

O programa da New York State Agricultural Experiment Station, da Universidade de Cornell, em Geneva, produziu vários cultivares sem sementes, alguns antigos como Himrod, Interlaken e Romulus (Slate et al., 1962) e outros mais recentes como Lakemont e Suffolk Red (Einset, 1972) e Einset Seedless (Reisch et al., 1985).

Outro programa americano é o da Universidade de Arkansas que lançou, nos últimos quinze anos, bons cultivares de uvas sem sementes como Reliance, Saturn, Mars e Vênus (Moore, 1989). Este último foi introduzido com sucesso no Rio Grande do Sul pela Embrapa (Camargo & Mandelli, 1993).

O programa de Arkansas, por utilizar material genético básico do Leste americano, tem produzido variedades vigorosas, com razoável resistência a algumas doenças e várias com sabor lembrando o de Vitis labrusca, apreciado pelo brasileiro.

Decorrente de convênio com a Universidade de Arkansas, o Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, da Embrapa, em Bento Gonçalves, introduziu, no Banco Ativo de Germoplasma, alguns genótipos, entre eles um com o código A1105. Remetido para o IAC (Instituto Agronômico) em 1990, foi incorporado à coleção de cultivares, tendo demonstrado excelente aptidão em 1992 e 1993. Em razão disso, seu material foi multiplicado, permitindo novas observações, cuja apresentação e discussão foram os objetivos deste estudo.

 

2. Material e métodos

O clone A1105 foi obtido no Arkansas (EUA) por cruzamento entre Dunstan 200 e Lakemont (Grape Breeders Conference, 1989). Não foi lançado como cultivar no local de origem porque apresentou alta suscetibilidade à podridão negra, limitante para o cultivo naquela região. Entretanto, graças às suas boas características, foi intensamente utilizado como parental no programa de melhoramento da videira na Universidade de Arkansas. Em 1989, quase 6% dos 401 clones selecionados eram resultantes de cruzamentos em que o parental masculino tinha sido o A1105.

A planta apresenta-se vigorosa, de alta capacidade produtiva pela excelente fertilidade de gemas. Os cachos são compactos e cônicos. As bagas são brancas, de textura crocante e agradável sabor neutro.

Para observar seu comportamento sobre porta-enxertos usuais em São Paulo, foi montado um experimento em delineamento inteiramente casualizado, com nove repetições e duas plantas por parcela.

Garfos de A1105, oriundos da coleção de cultivares do IAC da Estação Experimental de Jundiaí, foram enxertados sobre os porta-enxertos IAC 766 e Kober 5BB em 1992, no Centro Experimental de Campinas, a 23°08'S e 46°55'W e altitude de 674 m, clima tipo Cwa. O total de chuvas do mês mais seco fica abaixo de 30 mm; a temperatura média do mês mais quente está acima de 22°C e a do mês mais frio, abaixo de 18°C. O solo é latossolo vermelho-escuro, distrófico.

Em 2 de agosto de 1994, efetuou-se a segunda poda de produção nas plantas formadas. A partir de seis dias após a poda, acompanhou-se o ciclo vegetativo das plantas, segundo Eichorn & Lorenz (1984). As observações prosseguiram até meados de outubro, quando as plantas já tinham ultrapassado os estádios 30 (sobre IAC 766) e 35 (sobre Kober 5BB).

A colheita deu-se em 25 de novembro, portanto 113 dias após a poda, quando foram feitas as seguintes observações: produção de uvas por planta, número, massa, comprimento e largura dos cachos, massa, comprimento e largura das bagas e o teor de sólidos solúveis totais. Na mesma ocasião, mediu-se o diâmetro do caule a 60 cm do nível do solo.

 

3. Resultados e discussão

O quadro 1 apresenta os resultados da avaliação de alguns fatores de produção, além da própria produção por planta. Verifica-se que os porta-enxertos não influenciaram significativamente nenhuma das características avaliadas. No entanto, do ponto de vista de avaliação do potencial do A1105, é importante analisar os limites superiores encontrados em cada caso. Assim, embora as produções médias sejam baixas, equivalentes a 5.700 e 7.900 kg/ha, não são muito diferentes das obtidas por Moore et al. (1989) para os cultivares Vênus e Reliance e são pouco menores que as obtidas para `Niagara Rosada', por Terra et al. (1988) e Pedro Júnior et al. (1992). Entretanto, algumas plantas de A1105 chegaram a produzir acima de 10.000 kg/ha, e pelo menos uma delas produziu o equivalente a 23.400 kg/ha.

O número médio de cachos esteve pouco acima de nove por planta, chegando a 18 sobre o IAC 766 e a 26 sobre o Kober 5BB, valores muito expressivos, quando se lembra que foram obtidos em apenas um metro linear de cordão esporonado. 'Niagara Rosada' pode produzir, no mesmo espaço, de 9 a 28 cachos, correspondentes a 6 ramos produtivos com 1,5 cacho por ramo, e a 14 ramos produtivos com 2 cachos por ramo respectivamente.

As dimensões dos cachos de A1105 foram extremamente adequadas, tanto do ponto de vista pro- dutivo, propriamente, quanto do comercial, segundo parâmetros visuais. A massa média, superior a 220 g, é consistentemente maior do que a verificada para `Niagara Rosada' por Pires et al. (1988) e Terra et al. (1988). Já o limite superior verificado, até de 392 g, é excepcional, superando a massa de cachos de muitas variedades comerciais. As mesmas observações valem para comprimento e largura dos cachos, maiores que os valores observados para 'Niagara Rosada', por Pires et al. (1988) e aqueles para 'Maria', por Pommer et al. (1995). O diâmetro do caule também não se mostrou influenciado pelos porta-enxertos, ficando, em média, com 12,5 mm, atingindo até 15,9 mm sobre Kober 5BB.

O quadro 2 traz os resultados observados com relação à massa e dimensões das bagas e o teor de sólidos solúveis totais.

É preciso lembrar que A1105 é uva sem semen-tes, portanto, poder-se-ia esperar que suas bagas apresentassem dimensões pequenas. Moore et al. (1989), por exemplo, relataram 3,0 g para a baga de 'Saturno', 3,2 g para a de 'Vênus', 2,3 g para a de 'Reliance', 2,6 para a de 'Marte' e 1,6 g para a de 'Canadice'.

Pires et al. (1988) apresentaram, para 'Niagara Rosada' (sem sementes), bagas de 1,2 a 1,4 g e para 'Niagara Rosada' (com sementes), bagas de 3,7 a 4,4 g. Segundo Pommer et al. (1995), foram encontrados, para IAC 514-6 'Maria', valores de 1,15 g para bagas sem nenhum tratamento, 3,41 g para bagas que receberam ácido giberélico, 2,56 g para bagas de plantas aneladas e 4,03 g para bagas de plantas aneladas que receberam ácido giberélico.

Portanto, os valores aqui encontrados para A1105 foram muito bons: média de 3,44 g para bagas de plantas enxertadas sobre IAC 766 e de 3,92 g, sobre Kober 5BB. Bagas de plantas sobre IAC 766 chegaram à média de 4,85 g e sobre Kober 5BB, a 5,74 g. Para melhor avaliar esses números, pode-se compará-los com os obtidos por Ferri (1994) que, estudando 195 acessos da coleção de cultivares do IAC, encontrou, entre 35 deles sem sementes, apenas um com bagas cuja massa média era de mais de 4,1 g, e entre todos, apenas 32 com bagas maiores de 4,1 g e os outros 163, com 4,0 g ou menos.

Considerando que o tamanho das bagas (massa, comprimento e largura) é uma característica fundamental de uvas de mesa, observa-se que A1105 preenche, com tranqüilidade, os requisitos para essa classificação. O tamanho das bagas ainda pode ser aumentado, caso futuros trabalhos venham a revelar que A1105 é responsivo a tratos como anelamento e/ou ácido giberélico.

Deve ser destacado que a única característica que se mostrou significativamente influenciada pelo porta-enxerto foi a largura das bagas. Bagas de plantas enxertadas sobre Kober 5BB apresentaram largura de 16,7 mm, superior à de bagas de plantas sobre IAC 766, com 15,8 mm. Dos 35 cultivares sem sementes avaliados por Ferri (1994), apenas sete mostraram largura igual ou superior a 16,1 mm, o que indica que os valores encontrados para A1105 são muito bons.

O teor de sólidos solúveis totais pode ser considerado muito bom, com médias acima de 17,2 °Brix. Tentativas de padronização de uvas de mesa no Brasil chegaram a mencionar 14,5°Brix como limite mínimo para o teor de sólidos solúveis, portanto A1105 apresentou-se muito satisfatoriamente nesta característica.

Do ponto de vista fenológico, a figura 1 apresenta o desenvolvimento médio das plantas de A1105 enxertadas sobre IAC 766 e Kober 5BB.

Figura 1. Ciclo vegetativo do clone híbrido A1105 enxertado sobre IAC 766 e Kober 5BB, desde a fase de gema "algodão" (estádio 3) até a de bagas tamanho "ervilha" (estádio 31, para IAC 766) e a de início de maturação (estádio 35, para Kober 5BB), segundo a escala proposta por Eichorn & Lorenz (1984).

A avaliação, feita em Campinas, em 1994, iniciou-se seis dias após a poda, seguindo a escala proposta por Eichorn & Lorenz (1984). Observa-se que não houve diferença sensível no desenvolvimento de A1105 sobre um ou outro porta-enxerto. O destaque a ser feito é que A1105, aos 70 dias após a poda, atingiu o estádio 35, correspondente ao início da maturação dos frutos, o que o identifica como de rápido desenvolvimento.

A colheita, em 25 de novembro, demarca o fim do ciclo completo de A1105, aos 113 dias. Pedro Júnior et al. (1992), em Jundiaí (SP), estimaram um ciclo de 141 dias para `Niagara Rosada', como média de três anos (1988 a 1990). Já Camargo & Mandelli (1993) indicaram para `Niagara Rosada', em Bento Gonçalves (RS), um ciclo de 149 dias. Esses mesmos autores determinaram o ciclo de 131 dias para o cultivar Vênus, considerado precoce para aquela região. Assim, o ciclo de 113 dias para A1105 pode ser considerado bastante curto, mesmo levando em conta o ano excepcionalmente seco, como foi 1994, em Campinas.

Em vista dos resultados aqui discutidos, pode-se afirmar que o clone A1105 apresenta excelentes características agronômicas e comerciais, devendo ser prioritário como parental em programas de melhoramento, além de se mostrar com potencial para ser um novo cultivar de uvas de mesa sem sementes.

 

4. Conclusão

O clone híbrido A1105, obtido no Arkansas (EUA), apresentou as seguintes características em Campinas (SP): uvas brancas, sem sementes, com bagas atingindo de 3 a 6 g sem necessidade de aplicação de ácido giberélico, de textura crocante e sabor neutro, agradável; plantas vigorosas, com potencial para produzir mais de 20 t/ha, com desenvolvimento vegetativo rápido e ciclo muito curto, de 113 dias, da poda à colheita; boa fertilidade de gemas, podendo produzir até 26 cachos em um metro de cordão esporonado; cachos bem formados, de compacidade média, cônicos, com massa média de mais de 225 g, podendo chegar a 20 cm de comprimento e 13 cm de largura.

 

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Autores:

Celso Valdevino Pommer(2,4), Fernando Picarelli Martins(3),Ilene Ribeiro Da Silva Passos(2), Erasmo José Paioli Pires(2,4) E Maurilo Monteiro Terra(2,4)
pommer[arroba]unb.br

 

Notas

(1) Recebido para publicação em 24 de maio de 1996, e aceito em 29 de janeiro de 1997.

(2) Seção de Viticultura, Instituto Agronômico (IAC), Caixa Postal 28, 13001-970 Campinas (SP).

(3) Estação Experimental de Jundiaí, IAC, Caixa Postal 11, 13200-970 Jundiaí (SP).

(4) Com bolsa de produtividade científica do CNPq.



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