O cheque pré-datado e o Direito Penal



 

A questão do cheque pré-datado, dado como garantia de dívida e não como pagamento à vista, é polêmica, constituindo-se, verdadeiramente, numa vexata quaestio, entendendo muitos que a sua emissão não constitui nenhum ilícito penal.

É induvidoso que para se caracterizar o delito tipificado no art. 171, § 2º., VI do Código Penal urge que o título cambial cubra-se de todos os requisitos legais pertinentes, inclusive que seja emitido como forma de pagamento à vista de dívida contraída pelo emitente. Sendo assim, é evidente que o cheque pré-datado, aquele que visa a um pagamento futuro, não pode e não deve ser considerado como título cambial, o que acarreta a impossibilidade jurídica de sua emissão configurar o delito acima indicado.

Coisa diferente, porém, é o crime previsto no caput do art. 171 do mesmo Código. Para esta figura penal são exigidos determinados elementos sem os quais não haverá a infração. Se é certo que o cheque transmudado de ordem de pagamento à vista para garantia de quitação futura não traz como conseqüência a consumação daquele delito específico, o mesmo não ocorre quando se fala do crime previsto no estelionato simples.

Para a configuração deste último crime urge que determinadas circunstâncias e elementos sejam observados: em primeiro lugar que haja vantagem ilícita. Ora, quem emite um cheque como forma de garantir uma compra efetuada a prazo e, na data acertada, sem justificativa nenhuma, não deposita o numerário suficiente para a respectiva quitação, auferiu ou não vantagem ilícita? A resposta é afirmativa, pois o emitente recebeu a coisa e, no entanto, no momento da compensação financeira concertada com a vítima, não honrou o compromisso. Induvidoso, por isso, a vantagem ilícita e em proveito próprio ou de terceiro.

A segunda exigência do tipo penal é o prejuízo alheio; pergunta-se: o ofendido, ilaqueado em sua boa-fé, lesado na confiança depositada, sofreu ou não desvantagem patrimonial? Afirma-se, também, o presente questionamento, visto que, despojado de bens a ele pertencentes, não teve o ressarcimento devido, ou, em outras palavras, entregou o que possuía e não recebeu a quantia equivalente, tendo, inquestionavelmente, prejuízo financeiro.

O terceiro requisito é a existência de meio fraudulento, induzindo ou mantendo alguém em erro (dolosamente), para a obtenção da vantagem indevida. Aqui, igualmente, encontramos suporte suficiente para adequar o cheque pré-datado ao tipo penal sob análise.

O fato de alguém, na data aprazada, não fazer o depósito necessário para que a sua conta corrente fosse suficientemente abastecida e pudesse, consequentemente, "cobrir" o cheque que seria depositado, por si só, já indica conduta dolosa no sentido de prejudicar o terceiro mantido em erro, mediante a fraude, que consistiu, especificamente, em emitir um cheque, prometendo pagá-lo em determinada época e, neste momento (sabedor que era da obrigação assumida, em confiança), não honrar o compromisso assumido. Evidentemente, que deverá estar provado que o agente agiu com dolo, desde aquele momento inicial da emissão do cheque.

Nestas condições, entendemos que a situação se conforma perfeitamente com o tipo penal do art. 171, caput do Código Penal.

Não é justo que a vítima, lesada em seu patrimônio, fique desprotegida em detrimento da impunidade e incentivo ao enriquecimento ilícito. Ademais, o cheque pré-datado já é um instrumento corriqueiro, por exemplo, no comércio brasileiro, usado indiscriminadamente pelos consumidores.

 


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