Breve abordagem jurídico-dinástica da experiência feudal no Brasil
Linhas Gerais sobre o Sistema Feudal.
I) Linhas Gerais sobre o Sistema Feudal.
A organização estatal atuante na Idade Média, é conhecida como feudalismo. Nesse sistema, o senhorio (suserano) cedia terras e empregos em caráter vitalício, para exploração econômica. Como contraprestação, o vassalo (feudatário) deveria prestar serviços, na corte ou nas forças armadas, obrigando-se, também, a fornecer homens, alimentos e armas ao rei, em caso de guerra.
O senhor feudal dispunha de extensa gama de poderes de governo: administrava a justiça, cunhava moeda, instituía tributos, efetuava casamentos, declarava direitos e deveres de seus vassalos, mantinha o policiamento do feudo e homens de guerra, para defender seus domínios. Seu único dever era o de fidelidade ao rei, a quem deveria fornecer homens armados para eventuais (muito frequentes) lutas, bem como alimentos, animais e armas.
O feudatário poderia subenfeudar seus domínios, criando assim, uma espécie de hierarquia, nas classes da nobreza.
A esse respeito, o ilustre prof. Baroni Santos, em sua magnífica obra Tratado de Heráldica, 1º volume, pág. 228, discorrendo sobre o título nobiliárquico de visconde (vicecomitis), cita um exemplo:
"Os condes de Paris subenfeudaram uma parte de seu condado a outros senhores, que usaram o título de viscondes".
Muitos senhores feudais rivalizavam-se com o rei, em extensão de domínios, exércitos e riqueza pessoal. Daí a freqüência das lutas de conquista, da qual poderiam resultar novo rei, novos suseranos, e muitos outros vassalos, nem sempre sob as mesmas regras.
No início de sua colonização, levada a efeito por Portugal, o Brasil, então denominado "Terra de Santa Cruz", teve sua única experiência de governo constituído sob regime feudal.
Com a divisão territorial da extensa costa brasileira, promovida por Dom João III, constituíram-se 12 circunscrições administrativas, cujas áreas traçadas, paralelamente, em forma de grandes lotes lineares de terra, com faixas de terra de 30 e 100 léguas, eram limitadas ao Oeste pelo Tratado de Tordesilhas, e a leste, pelo oceano Atlântico.
Nesse sistema de colonização utilizado pelos portugueses, iniciado por volta de 1534, o território era doado pelo rei a um fidalgo, de sua confiança, cuja administração deveria seguir a orientação legislativa da metrópole. As relações entre o donatário e a Coroa constavam de um documento oficial, denominado foral, no qual o rei delegava algumas atribuições administrativas, como: cobrar impostos, fundar aldeias e vilas, exercer a justiça e distribuir parte das terras sob sua jurisdição, criando as sesmarias. As capitanias, por seu caráter hereditário, não poderiam ser subdivididas nem alienadas pelo donatário, e seu objetivo originário era povoar a terra recém descoberta, e explorá-la, com os recursos próprios dos donatários.
De fato, porém, criaram-se verdadeiros feudos, sob governo quase absoluto do "capitão", nomeado pelo rei de Portugal. A atividade administrativa limitava-se a simples exploração econômica, desenfreada, sem nenhuma preocupação com a preservação do patrimônio ambiental e das riquezas naturais.
A legislação adotada era, em tese, a vigente em Lisboa, livremente interpretada e aplicada pelo senhorio. O título de soberania do donatário era Capitão, com autoridade máxima, civil, administrativa e militar. O capitão era, de fato e de direito, o dominus da capitania. Na nomenclatura nobiliárquica, esse título, em razão da extensão dos poderes e funções inerentes, tem semelhanças com o "rás" etíope, e, também, com as atribuições do duque, no sentido originário (dux, comandante, chefe, senhor de um ducado). A propriedade do feudo deveria transmitir-se aos descendentes do donatário, nos moldes da sucessão nobiliárquica de então (primogenitura varonil); na ausência de herdeiro, os direitos sobre a capitania seriam revertidos à Coroa Portuguesa, que nomearia novo donatário, a seu critério.
Citaremos apenas alguns dos donatários, como precursores dessa fase da civilização brasileira:
Um dos primeiros investidos nessa função foi Martin Afonso de Sousa, que tornou-se famoso como capitão-mor da Índia Portuguesa de então. Estabeleceu suas colônias na ilha de Guaymbé e em São Vicente.
Outro capitão foi Vasco Fernando Coutinho, fidalgo português, que trouxe consigo muitos colonos e explorou plantações de cana-de-açúcar.
Cita-se, também, a capitania de Porto Seguro, doada a Pero Tourinho. Este donatário desfrutava de bom conceito entre os índios, pela lisura no trato. Seus sucessores, entretanto, tornaram-se despóticos, sendo odiados pelo maus tratos e perseguições que infligiam nativos, os quais abandonaram a capitania, fugindo para o interior do país.
A capitania de Ilhéus foi doada a Jorge de Figueiredo Correa. A capitania da Bahia de Todos-os-Santos (que abrangia o correspondente aos Estados da Bahia e de Pernambuco atuais) foi outorgada a Francisco Pereira Coutinho, que recebeu precioso auxílio do lendário Caramuru (Diogo Alvares Correia), em sua administração.
Apesar de ditas hereditárias, as capitanias eram propriedade da Coroa. Os donatários recebiam do rei poderes para administrá-las e esses poderes eram transmitidos via hereditária, continuando a propriedade da terra um privilégio do Estado.
Alguns donatários não tomaram posse de suas terras, possivelmente por se tratar de empresa arriscada e que demandava grandes investimentos de recursos próprios.
Esse sistema de governo teve curta duração (1534 a 1548), e foi abolido – pela manifesta ineficiência –, com a centralização dos poderes de governo na metrópole.
Em 1548, iniciou-se nova fase administrativa, com a criação dos Governos Gerais.
O governador-geral era o representante da coroa portuguesa no Brasil, possuindo assessores denominados: provedor-mor, que organizava o sistema tributário; o ouvidor-mor, que administrava a justiça; o capitão-mor da costa, que respondia pela defesa militar.
O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa, fidalgo e militar português, que tomou posse em 1549. Nessa data, fundou a cidade de Salvador, criando a primeira povoação brasileira com foros de cidade.
A partir de 1720, os governadores gerais passaram a ser denominados vice-reis, e esse sistema vigorou até até 1808, quando a família real portuguesa estabeleceu-se no Brasil.
Em 1815, o príncipe regente D. João, futuro rei D. João VI elevou o Brasil à categoria de reino, formando a coligação dos Reinos Unidos de Portugal, Brasil e Algarves, sob sua coroa.
Seguiu-se a independência política, em 1822, sendo mantido o regime monárquico, com a instituição do primeiro império, tendo como monarca Dom Pedro I (1798-1834); a outorga da primeira constituição em 1824, a abdicação em 1831 a favor de seu filho, à época, com 5 anos de idade.
Durante a menoridade do segundo Imperador, o Brasil foi governado por regência até 1840, quando, por necessidades de Estado, foi declarada a maioridade do príncipe herdeiro D. Pedro, para assumir o trono.
Dom Pedro II (1825-1891) foi coroado em 1840. Governou o país por quase meio século, desenvolveu o comércio, e aboliu a escravatura; foi um soberano magnânimo e empreendedor, sendo considerado o monarca mais culto de sua época.
Com a implantação do regime republicano em 15 de novembro de 1889, D. Pedro II foi deposto, sem renúncia, partindo em exílio dinástico para a Europa, tendo falecido em 1891.
A chefia da Casa Imperial passou, iuri sangüinis, à princesa Isabel (1846-1921), sua filha primogênita, casada com o Conde D'Eu. A princesa Imperial exerceu a regência do Império em 1888, quando assinou o ato de abolição da escravatura, denominado "Lei Áurea", seguindo-se a linha dinástica sem interrupções até a atualidade.
Em 1993, houve um plebiscito, com opção de restauração monárquica, que obteve mais de 10% dos votos válidos.
Este texto foi selecionado da obra: Tradições Nobiliárias: integração ao Direito Civil Brasileiro,
De
Mário de Méroe
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