A última e definitiva «pá de terra» no caixão do socialismo?
O que aparentemente se apresentou como uma simples medida burocrática de tipo regulatório - o anúncio realizado no dia 6 de junho de 2002 pelo Departamento do Comércio dos Estados Unidos, secundado em telefonema dado no mesmo dia pelo Presidente George W. Bush a seu contraparte da Rússia, Vladimir Putin, tendente a confirmar o status de «economia de mercado» doravante atribuído ao país formado a partir do ex-sistema socialista soviético - constitui, na verdade, uma mudança de caráter histórico e fundamental nas relações internacionais contemporâneas. A partir dessa data, terminou, de fato e oficialmente, o regime econômico socialista na face do planeta.
Os ainda partidários ou simplesmente saudosistas de uma economia de comando centralizado, do tipo que existia na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e na China há cerca de duas décadas, poderão, finalmente, derramar uma lágrima de crocodilo pela morte, quase sem comemorações, de um regime que, em seus tempos áureos, cobria dois terços das terras emergidas e igual proporção de seres viventes. A geração pós-Segunda Guerra deve ainda lembrar-se que o socialismo se apresentava então como o sucessor natural do capitalismo enquanto organização social de produção e que, em 1959, sob a liderança do ex-primeiro ministro soviético Nikita Krushev, ele prometia enterrar o próprio capitalismo.
Ainda que sem grandes anuncios e funerais, o socialismo, para todos os efeitos práticos, acaba de morrer, sem discurso e sem coroa. Se fosse o caso de escolher algum epitáfio tumular, ele poderia levar a seguinte inscrição, para deleite de alguns e o ódio incontido de vários outros: «Camaradas: o capital venceu».
De fato, o capital, esse instrumento da exploração do homem pelo homem, submetido, há um século e meio, ao bisturi intelectual de um cérebro genial como o de Karl Marx, o vil capital emerge como vitorioso na mais formidável batalha do século XX: aquela travada numa luta sem tréguas entre opressores e oprimidos, entre explorados e exploradores, entre burgueses e proletários, entre capitalistas e assalariados, enfim, entre os portadores do passado e os arautos do futuro. O passado venceu e o velho e carcomido capital acaba de cravar o último prego no caixão mortuário do socialismo, sem que disso se tivessem apercebido os velhos comunistas e os novos socialistas. Marx, que passou toda uma vida percorrendo suas entranhas para desvendar o segredo que explicava a dinâmica do capitalismo - para os não iniciados, o mistério do capital se encontra no processo de extração da mais-valia -, escreveu o nec plus ultra desse sistema opressor em 1867, revelando sua mística nesse magnum opus que é Das Kapital, onde o processo de acumulação é não apenas cientificamente analisado como devidamente vilipendiado.
A despeito, porém, de sua visão messiânica sobre o fim do capitalismo e sobre a emergência natural do socialismo no seu seguimento, a morte deste último acaba de ser anunciada no decreto burocrático desse 6º dia do mês de junho de 2002, exatamente 135 anos depois da primeira edição do Capital. Como e porque isso ocorreu, e que implicações isso pode ter para a vida econômica moderna e, pessoalmente, para vários de nós, que ainda acreditamos nas virtudes eventualmente redentoras do socialismo, essas questões constituem o objeto deste ensaio de análise e de reflexão que de certa forma se apresenta igualmente como um balanço intelectual e uma extração de lições.
Vejamos, em primeiro lugar e dentro de seu contexto, os fatos singelos que marcam o que chamei de «fim oficial do socialismo» e que motivam, inclusive num sentido de «balanço intelectual de uma época», a análise de cunho marxista que se pretende oferecer em seguida sobre esse óbito e suas razões profundas.
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