O Brasil e o terrorismo: o atentado contra o escritório da ONU em Bagdá e as reações no Brasil



 

Foi preciso, helàs, a trágica morte de um brasileiro trabalhando numa posição de destaque no plano internacional – a do funcionário da ONU Sérgio Vieira de Mello, em Bagdá, no dia 19 de agosto de 2003 – para despertar no Brasil e nos brasileiros um verdadeiro sentimento de horror, suscitando reações de justa indignação, de nítida rejeição ao ato bárbaro e de sincera comiseração pela perda de uma vida devotada à causa humanitária.

Um atentado que se ouviu no Brasil

Devemos em primeiro lugar lembrar que Sérgio Vieira de Mello não foi o único sacrificado pela fúria suicidária e genocida dos terroristas que explodiram um carro bomba junto ao escritório da ONU em Bagdá: junto com ele pereceram pelo menos 20 outras pessoas, além de muitos outros feridos. Caberia também registrar que a comoção no Brasil deveu-se, em parte, a um erro da imprensa internacional – e brasileira – ao identificar, primeiramente, Sérgio Vieira de Mello como um "diplomata brasileiro", quando ele, na verdade, era apenas brasileiro e "estava" diplomata pela natureza de suas funções desempenhadas na última fase de sua vida. Filho de pai diplomata cassado pelo regime de 1964, ele viveu muito pouco no Brasil e tornou-se um burocrata internacional praticamente desde o início de sua vida profissional, trabalhando para o escritório de refugiados da ONU, com sede em Genebra. Conheci pessoalmente Sérgio Vieira de Mello em Genebra no final dos anos 1980, e minha esposa chegou a dar aulas de Portugês e de cultura brasileira a seus dois filhos, que eram franceses mas que ele pretendia "transformar" em brasileiros, ou pelo menos mais conhecedores da língua e das coisas do Brasil.

Mas esse parênteses não vem ao caso agora, pois eu estava comentando que sua identificação equivocada como "diplomata brasileiro" gerou uma bem-vinda torrente de manifestações de solidariedade e de condolências em direção das autoridades brasileiras, que se movimentaram rapidamente para prestar uma última homenagem a um funcionário internacional que, finalmente, teve muito pouco a ver com o Brasil, e muito pouco a dever ao Brasil, ao longo de uma carreira exemplar de servidor da ONU. Pela natureza de suas funções, desde as missões nos Balcãs, depois no Timor Leste e finalmente no Iraque, ele efetivamente era um diplomata internacional, ainda que suas missões anteriores tenham tido um caráter mais técnico-humanitário do que propriamente diplomático. Ele era, desde junho de 2003, o enviado especial do Secretário-Geral da ONU em missão no Iraque, no desempenho, portanto de funções "diplomáticas", em licença de seu cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, uma função bem mais burocrática, mas que também exige altas doses de diplomacia, pois que implicando um tratamento sensível e delicado de atentados aos direitos humanos num contexto inter-estatal no qual a soberania dos países membros ainda não encontra limitações de fato.

Ele poderia ter se tornado um "diplomata brasileiro", se o golpe sofrido por seu pai, em 1969, não tivesse alimentado em Sérgio uma certa reação contrária ao Brasil e seu serviço exterior. Compreende-se inteiramente, mas isto mais uma vez não vem ao caso neste texto que pretende, tão simplesmente, retomar o problema do terrorismo e o das reações que esse ato sucitou no Brasil, para daí fazer uma reflexão mais geral sobre a atitude de certos meios políticos em relação a esse tipo de ação política. Desejo, de toda forma, deixar registrada minha imensa dor, pessoal, não diplomática e de forma nenhuma "nacional", pela perda de uma simples vida humana, que, no caso de Sérgio, era a de um funcionário intensamente engajado na defesa de certos princípios que ele tinha em alta conta, enquanto "cidadão do mundo": a dignidade da vida humana, os esforços para minorar os sofrimentos de populações desprovidas de tudo, o resgate dos sem defesa.

 


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