Suzana Barbosa
Resumo:
No chamado terceiro entorno (ECHEVERRÍA, 1999) ou no terceiro estágio da grande midiamorfose (FIDLER, 1997), sabe-se que o conceito de bancos de dados (BD) se amplia, passando a ser considerado como uma nova forma cultural (MANOVICH, 2001), constituindo-se no centro do processo criativo para o design da nova mídia. Para a Ciência da Organização Computacional, os BD são vistos como agentes inteligentes que integram espaços inteligentes (CARLEY, 2002), pois podem se engajar numa atividade cognitiva atuando sobre um corpo de informação e têm habilidade para processar, armazenar, interpretar ou comunicar informações e fazer conexões entre pedaços de informações.
Para o atual estágio de desenvolvimento do jornalismo digital – denominado como webjornalismo (MIELNICZUK, 2003) -, o conceito de bancos de dados também se expande, podendo ser definido como um formato (MACHADO, 2004) para esta modalidade. Assim, nosso objetivo nesta comunicação é discutir se os bancos de dados (BD) de fato podem contribuir para um webjornalismo diferenciado, inteligente, e como o seu emprego irá assegurar maior diversidade para os conteúdos - permitindo a experimentação de novos gêneros jornalísticos - bem como para a melhoria dos próprios modos de fazer jornalismo nas redes digitais, e se, afinal, os BD serão a especificidade que distinguirá o jornalismo digital dos meios tradicionais.
Palavras-chaves: Internet - Webjornalismo – Bancos de Dados.
A partir da conceituação de bancos de dados (BD) como forma cultural simbólica da era dos computadores, conforme proposta por Lev Manovich (2001), discute-se a possibilidade de aplicá-lo no sentido de se considerar os BD ou as também chamadas bases de dados como agentes com capacidade para gerar um jornalismo digital diferenciado, inteligente. Tal abordagem está em sintonia com a idéia de que os BD constituem-se como um formato (MACHADO, 2004) para o atual estágio do jornalismo digital – classificado como terceira geração ou webjornalismoi (MIELNICZUK, 2003). Deste modo, pode assegurar produtos digitais mais flexíveis e mais descolados da metáfora do jornal impresso que ainda hoje, mais de uma década depois do surgimento das primeiras versões de sites jornalísticos, ainda é usada como padrão.
Num contexto mais amplo, esta abordagem localiza-se no período social-histórico definido por Javier Echeverría (1999) como terceiro entorno social (E3), correspondente ao ambiente informatizado no qual teletecnologias proporcionam a estruturação de um novo ambiente, no qual as ações são mediadas pelas tecnologias digitais, dando forma a uma cidade global e planetária, sem fronteiras, onde o jornalismo em sua modalidade presente nas redes digitais também passa por transformações, tanto com relação às práticas profissionais quanto em relação às funções e convenções estabelecidas historicamente. Essa caracterização é colocada como diferencial em relação ao primeiro entorno (E1), onde as atividades desempenhadas pelo homem estavam ligadas à natureza, e, ao segundo entorno (E2), marcado por uma sociedade industrial em que as atividades do homem estavam, prioritariamente, relacionadas ao ambiente urbano. O terceiro entorno (E1), conforme explica Echeverría, foi viabilizado por sete tecnologias: o telefone, o rádio, a televisão, o dinheiro eletrônico, as redes telemáticas, os multimídia e o hipertexto. Os três entornos não se colocam como excludentes: o E1, o E2 e o E3 são instâncias que se sobrepõem e constituem a sociedade contemporânea em toda a sua complexidade.
É possível, ainda, apontar que esse cenário integra o terceiro estágio da grande midiamorfoseii - termo utilizado por Roger Fidler (1997) para compreender as transformações dos meios de comunicação. Ele o define como a transformação dos meios de comunicação, que geralmente ocorre pela complexa integração de necessidades e pressões competitivas e políticas assim como inovações sociais e tecnológicas (FIDLER, 1997: 22-23). Seria, então, um modo unificado de pensar a evolução dos meios de comunicação, identificando as novas formas que emergem não para substituir ou "matar" as antigas, pois essas serão reconfiguradas e/ou, acrescentamos, remediadas (BOLTER & GRUSIN, 1999), continuando a evoluir e adaptar-se a partir de futuras inovações.
A linguagem digital é o agente de maior poder desse terceiro estágio da grande midiamorfose, pois atingiu um ponto de alta difusão por meio das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e dos mais diversos dispositivos que funcionam segundo essa matriz. As TICs alcançaram um nível considerado por muitos pesquisadores como "ordinário" em função da ampla utilização na vida cotidiana (GRAHAM, 2004; HERRING, 2004; LIEVROUW, 2004) considerando o aspecto da representação social, bem como o técnico, afetando os modos de produção das mais diversas áreas e profissões, as próprias relações sociais, estilos de vida e a própria conformação do espaço urbano.
Especificamente, o campo do jornalismo foi amplamente afetado por uma série de modificações advindas do desenvolvimento das TICs desde o final dos anos 70. Primeiramente, na esfera da produção, processos na confecção dos jornais impressos e na produção de telejornais e radiojornais foram informatizados, passando a adotar total ou parcialmente soluções da tecnologia digital. Com o advento da internet e sua "popularização" com a criação da WWW, surgem produtos jornalísticos desenvolvidos para o novo suporte digital, estruturado em forma reticular.
A consolidação da internet como uma nova tecnologia e prática social, caracterizada como um ambiente e sistema de informação, comunicação e ação utilizada pelos diversos sub-sistemas sociais (PALACIOS, 2003; STOCKINGER, 2003), entre eles o midiático - o qual consolida também uma modalidade diferenciada de jornalismo a partir das redes - favoreceu a emergência de um novo status para o uso dos bancos de dados (BD) no jornalismo digital. Se a aparição dos bancos de dados como uma ferramenta para o trabalho jornalístico, na década de 70, representou uma inovação nos modos de obtenção de informação para acrescentar maior contexto e profundidade às notícias e reportagens - além de ter sido uma das primeiras tecnologias empregadas para a entrega eletrônica de conteúdos - conforme atestam autores como Smith (1980), Koch (1991) e Gunter (2003), três décadas depois o emprego das também chamadas bases de dados para a gestão de produtos digitais é colocado como potencialmente capaz de conferir o diferencial e a especificidade do jornalismo digital em relação às modalidades tradicionais, e percebido mesmo como um novo formato para o jornalismo digital neste seu terceiro estágio de desenvolvimento (HALL, 2001; FIDALGO, 2003; MACHADO, 2004).
Levando em conta que no cenário da sociedade contemporânea ou na cibercultura as TICs já alcançaram um alto grau de difusão, a fase de adaptação e familiaridade em relação aos dispositivos e às diferentes formas de se publicar e acessar conteúdos por meio da internet foi vencida, encontrando-se num estágio consolidado para boa parte dos usuários. Isso colabora para que as operações jornalísticas digitais experimentem novos formatos de produtos e de narrativas, além de novos enfoques para os conteúdos. Nesse sentido,consideramos que a aplicação dos BD pode, certamente, favorecer a emergência de um jornalismo diferenciado, inteligente. E porquê?
2.1. Como se amplia o conceito de BD no E3
Para responder ao questionamento lançado, é preciso, antes, definir o que são bancos de dados, e entender como atualmente eles alcançam novo status não apenas para o jornalismo, mas, também, para outras áreas e, mesmo nas Ciências da Computação, já se percebe revoluções para a arquitetura dos BD. A partir disso, se perceberá com maior clareza o seu potencial como forma cultural definidora dos produtos da mídia digital, tal como na acepção proposta por Lev Manovich, e como formato para o jornalismo digital, conforme sugere Elias Machado.
Um banco de dados ou base de dados (BD) é uma coleção de dados estruturados ou informações relacionadas entre si (GUIMARÃES, 2003: 19). O relacionamento entre os dados é uma característica diferenciadora e fundamental de bancos de dados modernos, pois, segundo Célio Guimarães (2003), distingue-os de uma conceituação mais antiga, que seria a de uma coleção de arquivos tradicionais suportados pelo sistema operacional. As informações ou dados contidos num BD representam aspectos do mundo real com significado próprio e que desejamos armazenar para uso futuro. Os dados/informações podem se referir às características de pessoas, coisas ou eventos.
Ao se projetar um banco de dados deve-se ter em mente, conforme explica Célio C. Guimarães (2003), um conjunto de aplicações que se deseja fazer sobre os dados, pois são elas que determinam o uso principal que se quer fazer do banco de dados. Eles podem ser muito simples ou muito complexos e/ou de tamanhos que podem variar em ordens de magnitude de um banco de dados para outro. Bases de dados podem ser mantidas manualmente ou num computador. Em geral, as BD complexas envolvem muitos tipos diferentes de dados interdependentes e inter-relacionados como no caso da gestão de um produto jornalístico digital.
Até recentemente, as bases de dados costumavam armazenar dados unicamente alfanuméricos (cadeias de caracteres e valores numéricos). Atualmente, elas armazenam imagens, gráficos e objetos multimídia (som e vídeo), o que, segundo especialistas da área, aumenta as necessidades de armazenamento e a complexidade de recuperação e processamento dos dados. A persistência ou durabilidade dos dados em um meio de armazenamento confiável é um dos requisitos mais básicos de um banco de dados.
Podemos pensar, então, no emprego integrado de bases de dados com linguagens de programação como sugere Jim Gray (2004) gerando, assim, bancos de dados inteligentes e dinâmicos, constituídos por diferentes modelos, arquiteturas, softwares, linguagens e tecnologias avançadas para a construção de bases de dados que vão operar num nível ainda maior de complexidade para a organização, armazenamento, disponibilização, apresentação e consulta da informação. As aplicações de bancos de inteligentes e dinâmicos devem garantir a estruturação de grande volume de dados (sejam documentos textuais, imagens estáticas ou em movimento, e arquivos de áudio até simulações e usos de técnicas de Realidade Virtualiii) com segurança, baixo nível de redundância e acuracidade. Além disso, cabe ressaltar, o funcionamento, o gerenciamento e a atualização dessas bases de dados ocorre de maneira descentralizada.
É importante ressaltar que durante muito tempo, principalmente da década de 70 até o começo dos anos 90, o acesso e a consulta a bancos de dados era habilitada apenas via terminais. Com a disseminação da tecnologia internet e, especificamente, a partir da criação da World Wide Web (em 1991) é que uma nova etapa se inicia, pois os bancos de dados migram para WWW, usando a linguagem HTML (Hypertext Markup Language) e passam a ser acessados via computador pessoal. Outro grande avanço, ocorrido recentemente, foi a incorporação da XML – uma das variantes e desenvolvimentos da HTML – que permite que bancos de dados distintos conversem entre si e funcionem de maneira descentralizada. Conforme argumentam Hall (2001:74) e Quinn (2002: 133), a XML é uma linguagem de estruturação de dados que habilita a produção de documentos no qual o dado é separado da forma ou da apresentação dele. Isto é, o dado pode aparecer em uma variedade de formatos. A XML, portanto, define um padrão para criar padrões para a troca de informação em geral.
O pesquisador Jim Gray (2004) vai afirmar que a grande notícia para revolucionar a arquitetura de bases de dados é o casamento, ou melhor, a integração dos BD com linguagens como Java, XML, entre outras, com boa performance. Segundo Gray, os esforços feitos anteriormente em torno de tal propósito fracassaram porque não se tinha conhecimento necessário para realizar tal integração e, principalmente, porque as soluções de BD previam uso em separado. Agora, afirma ele, as arquiteturas de bases de dados têm se tornado os veículos para entrega de aplicações integradas para serem nós ricos de dados da internet, para a descoberta do dado e para serem auto-gerenciáveis. Para ele, os BD são também a principal esperança para lidar com a avalanche de informação que alcança indivíduos, organizações e todos os aspectos da organização humana. Os desafios que se colocam para os pesquisadores, por outro lado, dizem respeito aos modos de implementação desses bancos de dados integrados com linguagens de programação.
There is a common language runtime that supports nearly all languages with good performance. The big news is the marriage of database and these languages. The runtimes are being added to the database engine so that now one can write database stored-procedures (modules) in these languages and can define database objects as classes in these languages (...) This integration of languages with databases eliminates the inside the-database outside-the-database dichotomy that we have lived with for the last 40 years. Now fields are objects (values or references); records are vectors of objects (fields); and tables are self-permission to make digital or hard copies of all or part of this work for personal or classroom use (…) (GRAY, 2004:02).
Já para a Ciência da Organização Computacionaliv, os bancos de dados são vistos como agentes inteligentes, assim como os seres humanos e os avatares. Na definição de Kathleen M. Carley (2002:208), agentes são inteligentes se respondem a um estímulo, pois eles devem se engajar numa atividade cognitiva atuando sobre um corpo de informação. E, como agentes inteligentes, eles devem ser adaptáveis – mudam o seu comportamento em resposta às mudanças na informação - e computacionais – têm habilidade para adquirir, processar, armazenar, interpretar ou comunicar informações e fazer as conexões entre os pedaços de informações. Os humanos, como destaca a pesquisadora, são agentes inteligentes canônicos. Tais agentes integram espaços inteligentes, isto é, espaços físicos onde o acesso para os agentes artificiais e humanos é ubíquo, a escala em termos do número de agentes e da quantidade de informação é ampla, a cognição é distribuída e os computadores são quase invisíveis.
The physical world in which people work and go about their daily activities is becoming increasingly intelligent. An increasing number of the objects that surround us (such as microwaves, VCRs, computers, answering machines, personal digital assistants, cell phones and security systems) have some level of intelligence, i.e. these devices are able to communicate, access, store, provide and/or process information. Ubiquitous access means that technology will exist to enable all agents to access or provide information wherever, whenever and to whomever it is useful, thus remotely enabling other agents to act (CARLEY, 2002: 210).
De acordo com Kathleen Carley, em termos de escala, enormes quantidades de informação serão automaticamente coletadas, armazenadas e processadas por um número potencialmente crescente de agentes. Assim, a informação, o acesso à informação, o processamento da informação e a capacidade de comunicação (inteligência e cognição) serão distribuídos através de agentes, tempo, espaço, dispositivos físicos e meios de comunicação.
Talvez, a conceituação proposta por Lev Manovich (2001) para os BD seja uma das mais inovadoras. Ele vai afirmar que o banco de dados da computer media é completamente diferente da coleção tradicional de documentos e que atualmente podem ser encontradas na maioria das áreas ou dos objetos da chamada nova mídia. A nova mídia – conforme ele define - surge a partir da síntese entre a computação e a tecnologia da mídia e tem o computador como principal instrumento afetando todos os estágios da comunicação: aquisição, manipulação, armazenamento, distribuição e convergência e cujo resultado é a mudança de toda a cultura para formas de produção mediadas pelo computador. Os objetos da nova mídia, diz, tanto podem ser novos como os já existentes que têm sua forma afetada pelo uso do computador.
Nesta acepção, o banco de dados pode armazenar individualmente ou a partir de diversas combinações qualquer tipo de dado ou objeto digital, desde documentos textuais, a fotografias, clips, seqüências de áudio, imagens estáticas, em movimento, ou, ainda, animações, mapas, gráficos, entre outros, que podem ser navegados/acessados de modos variados. Ao argumentar em favor do banco de dados como forma cultural simbólica da era do computador, Manovich chama atenção para o fato de que ele representa o mundo como uma coleção de itens. Portanto, o entendimento do potencial do banco de dados no terceiro entorno (E3) ou na terceira midiamorfose vai além daquela noção mais básica de coleção de informações para rápida recuperação e que até então norteou os procedimentos de armazenamento e ordenamento de informações. Agora, o BD adquire o status de "nova forma cultural simbólica", um novo modo de estruturar a experiência humana.
Assim, em conformidade com tal cenário conceitual, julgamos pertinente considerar os bancos de dados com potencial de fato para gerar um jornalismo digital mais diferenciado. A incorporação de tais ferramentas segundo significação mais inovadora para a gestão de produtos jornalísticos digitais pode assegurar ambientes inteligentes – ou melhor, redações inteligentes – nos quais os profissionais necessitarão de novas habilidades cognitivas para operar com sistemas também mais inteligentes para a criação de conteúdos mais criativos e originais, nos quais as narrativas jornalísticas se apresentem menos lineares e descoladas dos padrões até então empregados em conformidade com a metáfora do impresso.
3. Aplicação dos BD no Jornalismo
Informa Barrie Gunter (2003) que, nos Estados Unidos, as observações sobre o uso de bancos de dados online indicam que eles tiveram um rápido entendimento por parte dos jornais, confirmando-os como um padrão crescente, inicialmente a partir dos anos 70, seguido por um período de diminuição quanto ao seu emprego, e voltando a experimentar novo crescimento num momento seguinte. De acordo com a sua análise, a aquisição e o emprego dos bancos de dados no jornalismo seguiu a clássica adoção do modelo da curva do "S", utilizado dentro da teoria difusionista para observar o desenvolvimento das inovações tecnológicas.
Se nos guiarmos pelo raciocínio de Gunter (2003), poderíamos aferir que, o emprego dos sistemas dos bancos de dados no jornalismo digital encontra-se, novamente, num movimento ascendente da curva do "S" devido ao seu potencial para a gestão de produtos digitais, considerando-se que já são adotados entre muitas empresas informativasv e entre experiências acadêmicasvi. Neste sentido, pode-se pensar na idéia dos bancos de dados, principalmente os inteligentes e dinâmicos como agentes, com capacidade de se constituírem como uma metáfora para trazer nova luz no sentido de se superar a metáfora do jornal impressovii que, desde os primeiros anos de experimentação do jornalismo no suporte digital até agora, permanece sendo a mais empregada pelos mais diferentes tipos de sites noticiosos. Indo além, poder-se-ia vislumbrar, inclusive, uma quarta geração para o desenvolvimento desta modalidade jornalística. A adoção de bancos de dados bem como dos chamados bancos de dados inteligentes e dinâmicos pode favorecer a inovação, permitindo a exploração de novos gêneros, a oferta e conteúdo mais diverso, a disponibilização/apresentação das informações de maneira diferenciada, mais flexível e dinâmica, além da produção descentralizada - outra das características que o jornalismo digital de terceira geração deve contemplar.
Ao refletir sobre o potencial do BD no jornalismo digital, Elias Machado (2004:02) vai afirmar que ele constitui um formato para esta modalidade. É em consonância com o princípio da transcodificação (segundo o qual todos os objetos da nova mídia podem ser traduzidos para outros formatos, conforme definido por Manovich como uma das características da nova mídia), é que Machado defende a hipótese dos bancos de dados como forma cultural com estatuto próprio no jornalismo digital. Para o autor, os BD desempenham três funções simultâneas e complementares: a) de formato para a estruturação da informação; b) de suporte para modelos de narrativa multimídia; e c) de memória dos conteúdos publicados, o que o leva a considerar os bancos de dados como um formato no jornalismo digital. O autor argumenta que, de igual modo que a narrativa literária ou cinematográfica e um plano arquitetônico na Modernidade, o banco de dados emerge como a forma cultural típica para estruturar as informações sobre o mundo/realidade na cultura dos computadores.
E o primeiro passo para constituir uma estética própria para as organizações jornalísticas, de acordo com o pesquisador, passa, justamente, pela compreensão que nas novas mídias os elementos constitutivos da narrativa são formatados como bancos de dados. Além da compreensão por parte das próprias organizações, acrescentamos que também os profissionais jornalistas devem ampliar o seu entendimento e capacidade cognitiva sobre o potencial dos bancos de dados, pois o desempenho das suas funções certamente irá requerer tal conhecimento. Afinal, afirma Machado, o futuro das organizações jornalísticas nas redes permanece condicionado à capacidade que teremos de traduzir as habilidades potencializadas pelos bancos de dados para automaticamente armazenar, classificar, indexar, conectar, buscar e recuperar vastas quantidades de dados em tipos criativos de narrar, por exemplo, o passado como se fosse um presente projetado em direção ao futuro.
No entendimento de António Fidalgo, a união entre bancos de dados e jornalismo é a transformação mais relevante proporcionada pela internet. Por isso mesmo, ele vai afirmar que o jornalismo de fonte aberta (como exemplo o http://www.slashdot.org viii) é um caso paradigmático de um jornalismo específico sobre bases de dados, e que os jornais (ou webjornais) produzidos em base de dados se distinguem dos demais online por não terem edições fixas, pois uma edição será apenas uma configuração possível gerada pela base de dados. Para o diretor do LabCom da UBI, no qual é produzido o Akademia (http://www.akademia.ubi.pt), é preciso atentar, ainda, para a mudança no procedimento do jornalista com relação à incorporação de rotinas de produção descentralizadas, ao acréscimo ilimitado de temáticas abrangidas e à manutenção dos arquivos.
As perspectivas de mudanças ou rupturas a partir do emprego dos BD para a criação de produtos jornalísticos digitais se dão em relação à construção das narrativas, da concepção do produto e do uso do arquivo, por exemplo. Também, nas próprias rotinas de produção das informações vão ocorrer transformações, assim como na provisão de conteúdos mais originais e variados, pois, ao lado dos recursos disponíveis para construção de narrativas, a incorporação efetiva dos usuários como colaboradores irá assegurar temáticas diferenciadas para serem exploradas. Isso refletirá, conseqüentemente, no modo como as informações são apresentadas, publicadas.
No âmbito da construção das narrativas, o uso dos bancos de dados juntamente com os recursos de multimidialidade, hipertextualidade e interatividade vai auxiliar para que os conteúdos, de fato, sejam mais diversificados e distintos no jornalismo digital de terceira geração. Como diversos pesquisadores (DE WOLK, 2001; PAVLIK, 2001; HALL, 2001) já observaram, escrever para o mundo online é vastamente diferente de escrever para a página impressa. Ainda assim, as narrativas ainda apresentam-se fortemente marcadas pela linearidade. Contudo, Vicente Gosciola (2003) observa que, a arte de contar histórias, é uma qualidade por vezes deixada em segundo plano quando uma nova tecnologia surge. Para ele, a autoração – estruturação de conteúdos e links - numa obra hipermidiática, que une os recursos do hipertexto e da multimídia, e a roteirização – usando a interatividade e o acesso não-linear – são aspectos fundamentais a se considerar na criação de produtos para a nova mídia.
O jornalismo de alguma maneira pode se beneficiar de tais recursos para contar histórias mais estimulantes e criativas aos olhos dos usuários. Embora a objetividade seja imperativa na narração do fato jornalístico, certamente se pode recorrer a algumas técnicas para se produzir narrativas mais afinadas com as possibilidades permitidas pelo suporte digital. No caso do uso dos bancos de dados, Machado (2004) acredita serem eles suporte para o desenvolvimento de narrativas multimídia, já que, como afirma Manovich (2001:225), ao se criar produtos para a nova mídia se constrói uma interface para um banco de dados. No jornalismo, a interatividade, que permitirá ao usuário seguir os links estabelecidos, estará submetida à narrativa jornalística, a qual guarda a sua linearidade, mas provê, igualmente, caminhos multilineares para o seu acesso.
Conteúdo ainda continua a ser um dos grandes desafios para o jornalismo digital, embora muito já se tenha evoluído quanto à oferta de informações originais afinadas com os recursos do ciberespaço e conformadas em modelos que buscam inovação e, sobretudo, estimular a navegação e o acesso por parte dos usuários no sentido de consolidar a nova modalidade de jornalismo. Neste aspecto, pensamos que, o uso das bases de dados aliado à melhor implementação dos recursos característicos do webjornalismo, é capaz de conduzir à exploração de novas tematizações, com potencial para originar novos gêneros ou híbridos entre gêneros, assim como remediações em relação aos gêneros jornalísticos tradicionais.
Portanto, levando em conta a convergência de formatos presente no suporte digital, este constitui em si mesmo um ambiente potencial para o entrecruzamento entre gêneros e a origem de alguns novos. Para José Alvarez Marcos (2003), o processo de acomodação de gêneros e o surgimento de novas formas vive na internet um momento de ápice.
Javier Diaz Noci (2002) pensando os gêneros jornalísticos e o texto eletrônico, confirma o potencial de gêneros como a reportagem, beneficiada pela potencialidade do uso de recursos, como som, imagens fixas e em movimento, gráficos, e animações em três dimensões e, principalmente, pela ausência de limites crono-espaciais (DIAZ NOCI, 2002:123). Quanto à entrevista, ele vai dizer que é um gênero que se modifica, pois: pode ser usada como formato de perguntas e respostas que podem ser ouvidas e vistas; pode resultar em perfis multimídias e mesmo aparecendo como texto em si e, pode, principalmente, ter como protagonistas os usuários atuando como entrevistadores ao participar de chats com personalidades, onde os jornalistas assumem função de intermediários, filtrando as perguntas. Para Noci, a infografia em três dimensões é um gênero que alcançará grande desenvolvimento no ciberespaço. Alguns pesquisadores (MARCOS, 2003; SANCHO, 2003; NOCI, 2002) apontam os infográficos como um novo gênero jornalístico no jornalismo digital. A infografia, afirmam, irá se constituir um gênero desde que se apresente como única informação disponível, com linguagem própria, seja desenvolvida mediante unidades elementais icônicas (estáticas ou dinâmicas) com o apoio de diversas unidades tipográficas e/ou sonoras, normalmente verbais, e que seja uma unidade íntegra de informação. Com a infografia, explica José Luis Valero Sancho (2003:556), se facilita a compreensão dos acontecimentos, ações ou coisas da atualidade que se relatam ou alguns de seus aspectos mais significativos, acompanhando ou substituindo o texto informativo.
Nesse sentido, percebe-se que o modo como os infográficos, além dos mapas e o material de arquivo vêm sendo utilizados pode gerar, de fato, algumas rupturas em relação ao seu emprego em modalidades tradicionais do jornalismo. No entanto, sabe-se que, em muitos casos, o potencial é às vezes maior do que efetivamente se tem visto de implementação, apesar de já existirem bons exemplos de uso. No El Mundo (http://www.elmundo.es), onde os infográficos animados já foram incorporados como um canal a mais para se apresentar um fato jornalístico. No The Guardian (http://www.guardian.co.uk) também encontra-se infográficos em algumas matérias e reportagens.
Os mapas, mesmo que nem sempre animados, são usados como complemento para as informações em portais como o Terra (http://www.terra.com.br). Os argentinos LaNaciónLine (http://www.lanacion.com.br) e Clarín (http://www.clarin.com.ar) também disponibilizam infográficos para complemento da informação, enquanto entre as publicações brasileiras eles são praticamente inexistentes. No Folha Online (http://www.uol.com.br/fol) se costuma utilizar infografias em algumas matérias, mas todas elas são estáticas e funcionam como ilustração complementar quando não se dispõe de fotografias. No Portal Estadão (http://www.estadao.com.br), os arquivos já ganharam sub-canal exclusivo – "Diário do Passado"ix – onde se tem uma mostra do uso potencial do material jornalístico anteriormente publicado. Ou seja, tais exemplos iluminam o caminho e demonstram concretamente uma diversidade de opções para a produção de conteúdos no jornalismo digital para além da conformação mais básica para as informações como se tem visto.
Ainda sobre os arquivos, os BD como um formato para o jornalismo digital tem como uma de suas funções justamente a de memória dos conteúdos publicados, conforme defende Elias Machado. Deste modo, a função de documentação e atualização da memória social, que cabe ao jornalismo, ganha um novo cariz no que diz respeito à facilidade de acesso, familiaridade de linguagem, baixo custo para armazenamento e, portanto, maior democratização para uso das informações, considerando-se o caráter descentralizador e aberto das redes digitais. O uso dos bancos de dados como memória no jornalismo digital
de terceira geração torna os arquivos de registros capazes de apresentar parâmetros para aumentar o coeficiente de previsão de fluxo ininterrupto de circulação das informações nos diversos formatos (textos, imagens e sons). Aqui, deve-se ter em mente que como a característica da memória se configura como ruptura para o jornalismo digital, ela será ao mesmo tempo múltipla, instantânea e cumulativa (PALACIOS, 2002).
O nosso objetivo nesse artigo foi apresentar o novo status para o uso dos bancos de dados no jornalismo digital de terceira geração, identificando uma nova abordagem conceitual sobre o assunto e apontando perspectivas de mudanças que podem conduzir a um jornalismo digital mais inovador, inteligente. Esperamos, assim, ter ampliado a compreensão acerca desses sistemas, ao tempo em que imaginamos ter colaborado para delinear novas visões e possibilidades acerca do jornalismo digital. Ainda que possa se tratar de uma tendência – e como tal elas podem ser efêmeras – o emprego dos bancos de dados para estruturação das operações digitais parece se configurar como uma decisão fundamental para as empresas que atuam ou que desejam integrar esse ambiente.
* Este paper foi apresentado no V Congreso IberoAmericano de Periodismo en Internet, realizado nos dias 24 e 25 de novembro/2004, na FACOM/UFBA. Uma versão preliminar foi levada ao V Seminário de Pesquisa da UFBA, em novembro de 2004
i. Segundo a autora, no webjornalismo de primeira geração, os produtos oferecidos são transposições totais ou parciais do conteúdo de jornais impressos. Nos produtos de segunda geração, mesmo ‘atrelados’ ao modelo do jornal impresso, começam a ocorrer experiências na tentativa de explorar as características específicas oferecidas pela rede. Com os produtos de terceira geração, o cenário começa a modificar-se devido ao surgimento de iniciativas que extrapolam a idéia de uma versão para a web de um jornal impresso já existente.
ii. Iniciado com a aplicação da eletricidade para a comunicação no início do século XIX, sendo a invenção do telégrafo elétrico uma das responsáveis pelas grandes transformações e expansões de todos os três domínios dos meios (esses domínios estão relacionados à linguagem oral – primeira midiamorfose – à linguagem escrita – segunda midiamorfose – e à linguagem digital, que usa números para codificar e processar a informação e que foi desenvolvida para facilitar a comunicação entre as máquinas e seus componentes e, conseqüentemente, a comunicação com e entre seres humanos - correspondente à terceira midiamorfose (Fidler, 1997, p. 71).
iii. Definida como experiência imersiva gerada pelo computador (RYAN: 2001).
iv. Tal ciência, conforme Carley, é uma nova perspectiva para as organizações e grupos que emergiu na década de 90 em resposta às necessidades para entender, prever e gerenciar a mudança organizacional, incluindo, sobretudo, as transformações que são motivadas pela mudança tecnológica.
v. Um exemplo é a Folha Online (http://www.uol.com.br/fol), que disponibiliza um rico material de conteúdo jornalístico, entre outros, utilizando as bases de dados.
vi. Uma delas é o Projeto Akademia (http://www.akademia.ubi.pt), Sistemas de Informação e Novas Formas de Jornalismo Online, da Universidade da Beira Interior, em Covilhã, Portugal. Trata-se de um experimento de jornalismo de fonte aberta, iniciado em setembro de 2000.
vii. Sobre o uso da metáfora do jornal impresso aplicado no jornalismo digital ver o trabalho de Melinda McAdams: Inventing online newspaper. In: www.sentex.net/~mmcadams/invent.html, publicado pela primeira vez em 1995 no Interpessoal Computing and Technology: as electronic journal for the 21st century. ISSN: 1064-4326, july 1995, v. 3, p. 64-90.
viii. Podemos citar também como exemplo os Centros de Mídia Independente (http://www.indymedia.org), com edições em vários idiomas, nas quais os usuários colaboram na produção do conteúdo, publicando desde textos, fotos até vídeos. Há, ainda, os casos do jornal online sul-coreano OhmyNews (http://www.ohmynews.com), lançado em fevereiro de 2000 com o slogan "cada cidadão é um repórter" e que hoje possui aproximadamente 35 mil pessoas cadastradas enviando em média 200 notícias diárias, tanto para a versão digital como para a impressa e também no formato vídeo para o OhmyNews; e o do japonês JanJan (http://www.janjan.jp), disponibilizado em fevereiro de 2003. Outro exemplo é de âmbito acadêmico, o GoKoskie (http://mesh.medill.northwestern.edu/gokoskie/), projeto conjunto do curso de Jornalismo da Universidade Northwestern, de Illinois (EUA), e da empresa Advance Publications, cujo propósito é oferecer "notícias para o povo pelo povo".
ix. Disponível através do canal "Tecnologia", embora recentemente o acesso ao "Diário do Passado" esteja indisponível.