Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Os resíduos sólidos de origem domiciliar e industrial são um dos grandes problemas ambientais na atualidade, sendo os resíduos de esgoto os mais problemáticos (Alves et al., 1999). Após tratados biologicamente, os esgotos produzem um resíduo rico em matéria orgânica chamado de biossólido, que varia de 40% a 60%. En-tre as alternativas para a destinação final do biossólido pode-se citar seu uso na produção de energia (Goldstein et al., 1998). A utilização agronômica, no entanto, apresenta maior potencial, e oferece a oportunidade de seu uso como fertilizante e condicionador de solos (Silva et al., 2002). O biossólido tem sido utilizado na melhoria de áreas florestadas, na recuperação de áreas degradadas, como fertilizante em culturas anuais de grãos e condicionador físico do solo (Silva et al., 1997; Sloan et al., 1997). No entanto, atualmente existe a tendência de utilização de altas doses de biossólido, que podem contaminar o solo com metais pesados (Sloan et al., 1997; Melo et al., 2001) e patógenos (Jofre, 1997).
Em relação aos atributos físicos, a aplicação de lodo de esgoto promove aumento na porosidade total e macroporosidade (Ortega et al., 1981; Pagliai et al., 1981; Mathan, 1994), diminuição na densidade do solo (Aggelides & Londra, 2000) e maior retenção de água (Kumar et al., 1985; Aggelides & Londra, 2000; Debosz et al., 2002).
Jorge et al. (1991), estudando a adição de 10,0 Mg ha-1 ano-1 de lodo de esgoto em Latossolo Vermelho argiloso, não verificaram alterações na retenção de água nas tensões de 0,03 e 0,1 MPa, mas verificaram alterações na relação macro e microporos sem, no entanto, alterações significativas na porosidade total e densidade do solo.
Quanto à transmissão de água no solo, a matéria orgânica tem efeitos indiretos, atuando tanto no aumento da agregação e da porosidade quanto na diminuição da densidade do solo (Metzger & Yaron, 1987). Beutler et al. (2002) verificaram que pequenas variações no teor de matéria orgânica não alteraram a retenção de água, que foi maior com o aumento da densidade do solo, nas tensões de água de 0,006 a 0,3 MPa. A retenção de água do solo é característica específica de cada solo, sendo resultado da ação conjunta e complexa de vários fatores, como o teor e mineralogia da fração argila (Ferreira et al., 1999), teor de matéria orgânica, estrutura (Reichardt, 1988) e densidade do solo (Beutler et al., 2002).
Segundo Marciano et al. (2001), quando o solo originalmente possui uma boa estrutura, podem não ocorrer melhorias nos atributos físicos, mesmo com a aplicação de grandes quantidades de biossólido, principalmente em propriedades com grande variabilidade espacial, como as de transmissão de água no solo. Furrer & Stauffer (1983) não verificaram alterações na estabilidade de agregados com a aplicação de lodo de esgoto em solos bem estruturados e argilosos. Logan et al. (1996) verificaram que a aplicação de grandes quantidades de lodo de esgoto não alteraram as propriedades que influenciam a transmissão de água no solo, independentemente da textura.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da aplicação de biossólido em atributos físicos de dois Latossolos.
O trabalho foi realizado em um Latossolo Vermelho distrófico típico, textura média, A moderado caulinítico (LVd) e em Latossolo Vermelho eutroférrico típico, textura argilosa, A moderado caulinítico-oxídico (LVef), localizados na fazenda de ensino e pesquisa da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp de Jaboticabal, SP. As coordenadas geográficas da área são de 21o4' a 21o21' Sul e 48o8' a 48o26' Oeste. O clima é o mesotérmico de inverno seco (Cwa), pelo critério de classificação climática de Köppen. A caracterização granulométrica dos solos é apresentada na Tabela 1.
Utilizaram-se as seguintes doses acumuladas de matéria seca de biossólido, obtido na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da cidade de Barueri, SP, administrada pela SABESP: 0,0, 25,0, 47,5 e 50,0 Mg ha-1, aplicadas manualmente na superfície e incorporadas até 0,1 m de profundidade com grade, antes da semeadura do milho. No tratamento de 25,0 e 50,0 Mg ha-1, foram aplicados 5,0 e 10,0 Mg ha-1 ano-1 de biossólido e no tratamento de 47,5 Mg ha-1, foram aplicados 2,5 Mg ha-1, durante três anos, e 20,0 Mg ha-1 nos dois últimos anos. O biossólido apresentou a seguinte composição química média: C orgânico, 347,83 g kg-1; N, 36,54 g kg-1; P, 17,15 g kg-1; K, 1,62 g kg-1; Ca, 26,95 g kg-1; Mg, 3,68 g kg-1; Mn, 248,29 mg kg-1; Fe, 20.294,45 mg kg-1; Zn, 2.716,96 mg kg-1 e Pb, 219,00 mg kg-1. Utilizou-se o delineamento experimental em blocos casualizados com quatro doses de biossólido e cinco repetições, tendo cada parcela 54 m2.
O milho (Zea mays cv. Agromen 3150) foi semeado, anualmente, no espaçamento de 0,9 m, com 5 sementes por metro linear, perfazendo 55.500 plantas ha-1, sendo adubado com 150 kg ha-1 de sulfato de amônio, 278 kg ha-1 de superfosfato simples, e 86,2 kg ha-1 de cloreto de potássio, de acordo com a recomendação para a cultura. O controle de invasoras foi realizado com herbicidas.
As amostras de solo foram coletadas em abril de 2002, no quinto ano de condução do experimento, após a colhei-ta de milho, nas camadas de 0,00,1, 0,10,2 e 0,20,3 m de profundidade, com uma repetição por parcela. As amostras deformadas foram passadas em peneira de malha 2 mm para determinação da composição granulométrica através da dispersão com água e NaOH (0,1 mol L-1) e agitação lenta (16 horas), sendo a argila obtida pelo método da pipeta, segundo Embrapa (1997). O C orgânico foi obtido por oxidação (Embrapa, 1997) e a matéria orgânica, multiplicando-se o C orgânico por 1,724. Nas amostras indeformadas, coletadas com auxílio de anéis volumétricos de 0,048 m de diâmetro e 0,030 m de altura, determinaram-se a retenção de água, por secamento, nas tensões de 0,001, 0,006, 0,01, 0,033, 0,06, 0,1 e 0,3 MPa, em câmaras de pressão de Richards com placa porosa (Klute, 1986). As curvas de retenção de água foram ajustadas, segundo modelo matemático proposto por Genuchten (1980), sendo a retenção de água a 1,5 MPa estimada por meio do modelo. Considerando-se os dados de retenção de água ajustados, foram obtidas a porosidade total, segundo Danielson & Sutherland (1986), e a microporosidade, correspondente à umidade de tensão 0,006 MPa. A macroporosidade foi obtida pela diferença entre a porosidade total e a microporosidade. A densidade do solo foi determinada segundo Blake & Hartge (1986). Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.
No LVd e LVef, na camada de 0,0-0,1 m, os teores de matéria orgânica foram superiores, coerentes com a adição de biossólido, que foi incorporado com grade nesta camada (Tabela 2). Navas et al. (1998) também verificaram maior teor de matéria orgânica com a aplicação de 40,0 Mg ha-1 de massa seca de lodo de esgoto com 73% de matéria orgânica.
O teor de matéria orgânica determinado no quinto ano foi superior a partir da aplicação de 25,0 Mg ha-1 de biossólido, na camada de 0,0-0,1 m, nos dois solos. Melo (2002) não verificou diferenças significativas após três anos de aplicação das mesmas doses de biossólido. Neste sentido, Gonçalves & Ceretta (1999) afirmaram que, em solos tropicais, é difícil obter aumentos significativos nos teores de matéria orgânica em curto espaço de tempo. Nas camadas de 0,1-0,2 e 0,2-0,3 m, não houve diferença nos teores de matéria orgânica entre tratamentos e camadas.
A porosidade total e a microporosidade não diferiram entre as camadas e doses de biossólido nos dois solos (Tabela 3). Furrer & Stauffer (1983) afirmaram que a adição de lodo de esgoto pode não alterar a porosidade total, independentemente da condição original do solo. Por sua vez, Navas et al. (1998) obtiveram incremento da porosidade total de 0,38 m3 m-3 para 0,49 m3 m-3, quando foram aplicados 320 Mg ha-1 de lodo de esgoto. Em relação à microporosidade, Jorge et al. (1991) também não encontraram diferenças na microporosidade com a aplicação de 20,0 Mg ha-1 ano-1 de lodo de esgoto, durante quatro anos, em Latossolo Vermelho argiloso. Sort & Alcañiz (1999) verificaram que a aplicação de 400 Mg ha-1, em quatro anos, não alterou a microporosidade ao final deste período.
A macroporosidade apresentou valores superiores a partir de 47,5 Mg ha-1 e 50,0 Mg ha-1 no LVd e LVef, respectivamente, e apenas na camada de 0,0-0,1 m (Tabela 3). Nesse sentido, Bertol (1989) afirmou que os macroporos são os primeiros e mais afetados pelo processo de compactação. Este pesquisador verificou que, com o aumento da densidade nos sistemas de uso do solo, ocorreu redução da macroporosidade, em todas as camadas analisadas, comparado à condição natural.
Valores superiores de macroporosidade, sem alterar a microporosidade, em Latossolo Vermelho argiloso, também foram verificados no quarto ano por Jorge et al. (1991), com a aplicação de 10,0 Mg ha-1 ano-1 de lodo de esgoto e, com redução da microporosidade na dose de 20,0 Mg ha-1 ano-1 .
A densidade do solo diminui significativamente apenas na dose de 50,0 Mg ha-1 de biossólido no LVd (Tabela 3), na camada de 0,00,1 m. Navas et al. (1998) também observaram que a aplicação de 40,0 Mg ha-1 de lodo de esgoto em um solo de textura média promoveu redução da densidade do solo, e Lindsay & Logan (1998) verificaram que a aplicação de 60 Mg ha-1, em quatro anos, promoveu redução da densidade do solo no último ano.
No LVef não foram observadas alterações na densidade do solo com a adição de até 50,0 Mg ha-1, possivelmente, segundo Ferreira et al. (1999), por causa da mineralogia oxídica que confere ao solo uma melhor estrutura natural em relação ao LVd, de textura mais grosseira e com mineralogia caulinítica, em que a matéria orgânica adicionada pelo biossólido promove maiores efeitos no aumento da agregação e volume do solo; Jorge et al. (1991) também não verificaram alterações na densidade do solo após a adição de 80,0 Mg ha-1 de lodo de esgoto, em quatro anos, em Latossolo Vermelho argiloso.
Os resultados obtidos mostram que os efeitos da aplicação do biossólido na redução da densidade do solo depende do tipo de solo e da quantidade aplicada. Nesse contexto, Aggelides & Londra (2000) concluíram que a aplicação de 75,0 Mg ha-1 de uma mistura de 62% de lixo doméstico, 21% de lodo de esgoto e 17% de serragem, até 0,15 m de profundidade, promoveu redução na densidade do solo de 1,37 para 1,20 e de 1,12 para 1,05 em solo de textura média e argilosa, respectivamente; Logan et al. (1996) verificaram redução da densidade de um solo de textura média com a aplicação de elevadas doses de lodo de esgoto.
Não foram observadas diferenças na retenção de água, em todas as tensões, entre profundidades e até a dose de 50,0 Mg ha-1 de biossólido, nos dois solos (Figura 1), corroborando com Jorge et al. (1991), que também não obtiveram alterações na retenção de água em Latossolo Vermelho argiloso nas tensões de 0,033 e 0,1 MPa, com a aplicação de 20,0 Mg ha-1 ano-1 de lodo de esgoto, comparado à testemunha.
Segundo Beutler et al. (2002), a retenção de água no solo é influenciada pela matéria orgânica e, principalmente, pela densidade do solo. Com relação ao efeito da matéria orgânica, Centurion & Andrioli (2000) concluíram que ela atuou de forma indireta na retenção de água, por meio da estrutura do solo quantificada pela densidade do solo. Nesse sentido, a redução na densidade do solo e o incremento no teor de matéria orgânica com a aplicação de biossólido não foram suficientes para alterar a curva de retenção de água no solo (Figura 1).
Aggelides & Londra (2000) verificaram incremento da retenção de água próximo a saturação com a aplicação de 75,0 Mg ha-1 de uma mistura de 62% de lixo doméstico, 21% de lodo de esgoto e 17% de serragem e incorporação até 0,15 m de profundidade, e Logan et al. (1996) verificaram incremento na retenção de água em solo de textura média com elevadas doses de lodo de esgoto, o que pode ser justificado por aumento no teor de matéria orgânica ou redução da densidade do solo mais expressivos que o verificado neste trabalho.
1. A macroporosidade é superior na camada de 0,0-0,1 m, a partir de 47,5 Mg ha-1 e 50,0 Mg ha-1 de biossólido, no LVd e LVef, respectivamente.
2. A densidade do solo é inferior na dosagem de 50,0 Mg ha-1 no LVd de textura média, apenas na camada de 0,0-0,1 m.
3. A aplicação de até 50,0 Mg ha-1 de biossólido não altera a porosidade total e a microporosidade nos dois solos.
4. A aplicação de 50,0 Mg ha-1 de biossólido diminui a densidade do LVd em relação à testemunha e à dose de 25,0 Mg ha-1.
5. A aplicação de biossólido aumenta o conteúdo de matéria orgânica dos dois solos apenas na camada de 0,0-0,1 m, e não altera a retenção de água em todas as tensões tanto no LVd como no LVef.
6. Os efeitos do biossólido nos atributos físicos do solo dependem do tipo de solo e quantidade aplicada.
Valéria Peruca de Melo (I); Amauri Nelson Beutler (II); Zigomar Menezes de Souza (II); José Frederico Centurion (III); Wanderley José de Melo (IV)
zigomarms[arroba]yahoo.com.br
I. Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fac. de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), Dep. de Tecnologia, Via de acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n, CEP 14884-900 Jaboticabal, SP. Bolsista da Capes. E-mail: vpmelo[arroba]bol.com.br
II. Unesp, FCAV, Dep. de Solos e Adubos. Bolsista da Fapesp. E-mail: amaurib[arroba]yahoo.com.br, zigomar[arroba]fcav.unesp.br
III. Unesp, FCAV, Dep. de Solos e Adubos. Bolsista do CNPq. E-mail: jfcentur[arroba]fcav.unesp.br
IV. Unesp, FCAV, Dep. de Tecnologia. Bolsista do CNPq. E-mail: wjmelo[arroba]fcav.unesp.br
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|