Administração com Responsabilidade Social (ARS) pode ser entendida como a operação de uma empresa de forma a que essa atenda às expectativas da sociedade em termos de respeito à lei, aos valores éticos, às pessoas, à comunidade e ao meio ambiente. Há a percepção de que a prática da ARS é positiva para os negócios, razão que aliada às pressões de clientes, fornecedores, empregados e outros grupos, tem feito aumentar o número de empresas que a estão adotando como fator estratégico para seu sucesso. Dado esse cenário, é objetivo deste trabalho propor um conjunto de práticas para subsidiar a implantação da ARS nas empresas.
PALAVRAS-CHAVE: Administração com Responsabilidade Social, ética, Balanço Social, empreendedorismo.
Corporate Social Responsibility (CSR) can be understood as the operation of a company in such a way as to fulfill society´s expectations in terms of respect to the law, ethical values, people, community and the environment. There is a perception that the practice of CSR is positive for businesses, a reason which allied to the pressures of customers, suppliers, employees and other groups, has been increasing the number of companies adopting CSR as a strategic success factor. Therefore, it is objective of this work to propose a group of practices to subsidize the implantation of CSR in companies
KEY WORDS: Corporate Social Responsibility, ethics, Corporate Reporting, entrepreneurship, accountability
* Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Mackenzie; professor da Universidade Mackenzie e das Faculdades Padre Anchieta
** Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo, Coordenador Acadêmico da Faculdade Montessori de São Paulo
Administração com Responsabilidade Social (ARS) pode ser entendida como a operação de uma empresa de forma a que essa atenda às expectativas da sociedade em termos de respeito à lei, aos valores éticos, às pessoas, à comunidade e ao meio ambiente.
Essa visão moderna se contrapõe a outras defendidas por autores de renome, como FRIEDMAN (1963) – Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1976, defende a idéia de que a única responsabilidade das empresas é dar tanto lucro quanto possível aos seus proprietários, e que qualquer posição diferente dessa irá enfraquecer as empresas e o sistema capitalista, culminando com sua destruição.
Contrariando as posições de Friedman, outros autores como DRUCKER (1984) e DAVIS (1975), contribuiram para que as empresas começassem a ser vistas também como co-responsáveis pela melhoria e manutenção do bem estar da sociedade como um todo, na forma apresentada no início deste artigo.
ARS está passando a ser vista por muitas empresas não apenas como um conjunto de iniciativas motivadas por razões de marketing, relações públicas ou filantropia, mas como um conjunto de políticas, práticas e programas que permeiam os negócios e o processo de tomada de decisões na empresa.
Tem crescido no Brasil o número de empresas que estão adotando propostas nessa linha. Embora ainda seja muito grande a quantidade de organizações que não desenvolvem projetos dessa natureza e que não estão convencidas da sua relevância, a velocidade com que essas iniciativas se consolidam e ganham espaço indica uma tendência de reversão desse quadro (FISCHER & FALCONER, 1999).
Há a percepção de que a prática da ARS é positiva para os negócios, razão que aliada às pressões de clientes (que se dispõem a cortar seu relacionamento comercial com empresas "irresponsáveis"), fornecedores, empregados, investidores, vizinhos e outros grupos, tem feito aumentar o número de empresas de todos os tamanhos e segmentos que a estão adotando, como fator estratégico para o sucesso no cenário contemporâneo. Convém lembrar que esses grupos são chamados stakeholders, expressão freqüentemente utilizada nos textos que tratam de responsabilidade social.
As empresas que vem praticando ARS estão obtendo resultados positivos principalmente em função de redução de custos operacionais, melhoria de imagem, aumento do volume de vendas e lealdade dos clientes e melhoria dos indicadores de produtividade e qualidade.
Dado esse cenário é objetivo deste trabalho propor um conjunto de práticas para subsidiar a implantação da ARS nas empresas. Obviamente, cada empresa deve abordar o tema levando em conta fatores como cultura, porte, setor de atuação, etc.
Deve-se deixar claro que a prática da ARS depende da quebra de paradigmas, quebra essa que só pode ocorrer com investimentos em educação e estímulo à criatividade dos dirigentes e funcionários da organização.
Até o momento, tem sido mais comum as empresas focarem-se em uma área, como educação, meio ambiente ou desenvolvimento econômico de uma comunidade, quase sempre tratando o assunto como filantropia. É claro, porém, que a visão mais ampla de ARS, como um conjunto de políticas, práticas e programas que permeiam os negócios e o processo de tomada de decisões na empresa é mais adequada, se bem que bastante mais difícil de ser implantada e praticada.
A definição da Missão e da Visão da empresa ocorre em tempo de planejamento. Em geral nossas empresas não planejam de forma contínua, mas sim espasmódica, fazendo com que Missão e Visão freqüentemente tornem-se apenas palavras perdidas nos manuais internos. Ao se praticar ARS, essa situação deve ser modificada, de forma a que essas definições permaneçam atualizadas e sistematicamente difundidas, de forma a refletirem constantemente os objetivos e aspirações da organização e assim servirem como instrumento de orientação na busca desses objetivos.
Para as empresas que realmente praticam Planejamento Estratégico, fica clara a necessidade de que ARS seja considerada também quando se está trabalhando no planejamento de médio e longo prazos, analisando seu impacto sobre os projetos e metas, definindo métricas para avaliação de processos, etc.
"Dar retorno aos acionistas", "ser o maior", normalmente não esgotam a missão ou a visão das empresas que praticam ARS, mas vêm acompanhadas da intenção de beneficiar todos os que interagem com a organização: funcionários, clientes, fornecedores, comunidades e o meio ambiente.
Fatores de ordem cultural também são importantes. A prática de responsabilidade social não pode se desenvolver em um ambiente onde o empreendedorismo não seja aceito e estimulado. O discurso e a prática devem ser coerentes; o sentimento de que a empresa mantem um discurso acerca de ética e ARS apenas com objetivos de melhoria de imagem, pode ser mais danoso do que a certeza de que a empresa simplesmente não se preocupa com responsabilidade social.
Programas que envolvem a totalidade de uma empresa usualmente fracassam quando não existe um suporte explícito e forte da direção (BRETERNITZ, 1999); ARS não é uma exceção. Para seu sucesso, é necessário que se atribua formalmente a um de seus executivos de primeiro escalão a responsabilidade sobre o assunto. Essa responsabilidade usualmente recai sobre o executivo que responde por auditoria e compliance (observação das normas legais e dos procedimentos normatizados, estes especialmente importantes em instituições financeiras). Por sua posição no organograma da empresa, e pela natureza de suas atribuições, o ocupante desse cargo usualmente pode garantir que ARS seja efetivamente praticada.
Muitas empresas, em especial as de grande porte, adotam descrições de cargos e funções bastante detalhadas como ferramenta para administração de recursos humanos. A menção nessas descrições de responsabilidades no que tange a ARS, bem como a fixação de metas para os ocupantes de tais cargos é uma boa forma de aumentar o entendimento e o comprometimento dos empregados acerca do tema.
Essas medidas podem melhorar também a accountability de ARS na empresa – no caso essa palavra poderia ser entendida como a propriedade que garante que a execução de qualquer ação possa ser acompanhada, bem como identificados os responsáveis pela mesma de forma única e individual. Isso pode ser bastante útil no sentido de que se evitem omissões.
Cumpre registrar que o termo accountability vem sendo utilizado com bastante freqüência quando se fala em ARS, embora não haja uma tradução consagrada para o mesmo. A expressão relaciona-se com a idéia de responsabilidade fiscal, embora com ela não se confunda (CAMPOS, 1990). Outros definem-na como "responsabilidade pela prestação de contas" (PEDERIVA, 1998) ou "responsabilidade pela eficiente gerência de recursos públicos" (TORRES, 2000).
É claro que os membros de uma organização não podem ser responsabilizados por uma determinada postura ou ação se não são adequadamente informados acerca do que deles se espera, e treinados acerca das ferramentas disponíveis para que se atinjam as metas e objetivos fixados. Isso também é válido quando se trata de ARS, devendo, portanto, as empresas que pretendem praticá-la, desenvolverem programas para adequada comunicação e treinamento a respeito.
Aliás, ARS é um dos temas que requerem algo mais que iniciativas de comunicação e treinamento: educação na area é fundamental, ao menos para aqueles que ocupam cargos chave na estrutura organizacional. Cursos internos e externos, ministrados de forma convencional ou baseados na Internet são ferramentas altamente recomendadas para a pratica de ARS com sucesso. O tema já vem sendo objeto de estudos em programas de pós-graduação, tendo gerado trabalhos como o de DUTRA (2001).
É da natureza humana adotar comportamentos que possam trazer reconhecimento e vantagens materiais. Dada essa realidade, muitas empresas criam programas de reconhecimento e premiação (em dinheiro, presentes, folgas, doações em seus nomes para instituições de caridade), como forma de incentivar seus funcionários a atingirem determinadas metas ou proporem, por exemplo, formas alternativas para evitar desperdícios e práticas poluentes, ou para aqueles que se destacam nas campanhas ecológicas promovidas pela empresa. Programas como estes podem ser ferramentas importantes para a prática de ARS, devendo ser considerados durante o processo de planejamento.
A adoção de um "Código de Ética" é providência importante em todo processo de formalização de políticas, responsabilidades, etc., e na divulgação do compromisso da empresa com ARS. Além de ser um instrumento útil para dar aos dirigentes e profissionais de uma empresa diretrizes e orientação sobre como agir em momentos de tomada de decisões difíceis e/ou relevantes, reduz os riscos de interpretações subjetivas quanto aos aspectos morais e éticos nelas envolvidos. Sua elaboração deve envolver todos os escalões da empresa e considerar aspectos culturais da mesma; a simples adoção de um código utilizado por outra empresa normalmente não produz bons resultados pois perde-se a oportunidade de discutir-se problemas e valores da empresa, e de envolver a todos com o tema.
Um ponto bastante delicado é o da dimensão social do consumo (DUTRA, 2001), pois a empresa influencia o comportamento da sociedade. Por isso, suas ações de publicidade devem ter uma dimensão educativa, evitando criar expectativas que extrapolem o que é oferecido efetivamente pelo produto ou serviço, além de não deverem provocar desconforto ou constrangimento aos que forem por ela atingidos. Devem ser evitados anúncios que glorificam a satisfação imediata, a violência, o desrespeito a minorias, a exploração de emoções das crianças, a mistificação e o erotismo. Devem ser procuradas formas de publicidade que transmitam modelos positivos e hábitos saudáveis. Nessa área, talvez o mais difícil seja fugir à tentação de criar-se artificialmente necessidades que devam ser satisfeitas com o consumo de produtos ou serviços produzidos pela empresa.
Da mesma forma que recorrem a especialistas externos para revisão de suas contas, procedimentos para qualidade total, procedimentos contábeis, planos de segurança na área de tecnologia da informação, etc., muitas empresas estão recorrendo a auditores externos para verificação não só de como estão sendo vistas por seus clientes, empregados, parceiros de negócios e comunidade, mas também em termos de efetividade de suas políticas e atingimento de metas na área de responsabilidade social.
Evidentemente, empresas de menor porte podem fazer essa verificação de maneira mais simples e adequada à sua estrutura, empregando porém técnicas similares às adotadas em processos de auditoria. A verificação formal ajuda a evitar que a rotina transforme ARS em apenas mais uma sigla.
Os processos de auditoria geram relatórios com recomendações para melhoria de procedimentos, gerando um feedback acerca da situação na área auditada. Esses relatórios devem ser avaliados de forma a que eventuais desvios sejam sanados, e podem ser a base para relatórios periódicos acerca dos resultados produzidos pela prática da ARS; esses relatórios são usualmente chamados "balanços sociais", e devem ser dados a conhecer aos clientes, empregados, parceiros de negócios e à comunidade. Empresas de maior porte usualmente utilizam a mídia para publicação desses balanços, o que ocorre frequentmente em conjunto com a publicação do balanço societário. Observe-se que em algumas cidades, como São Paulo e Porto Alegre, leis municipais estimulam as empresas a publicarem seus balanços sociais.
A publicação do balanço social e a divulgação do código de ética são algumas medidas que permitem às empresas socialmente responsáveis exercerem influência sobre parceiros de negócios, sobre outras empresas do mesmo setor e área geográfica, etc., no sentido de que essas passem também a se interessar pela prática de ARS. Essa influência é necessária, e pode ser um dos fatores que permitirão, nas palavras de FIGUEIREDO (2001), "a prática de uma administração pluralista e interdependente", que permitiria o cultivo de uma vida com qualidade.
BRETERNITZ, Vivaldo José. Os Sistemas Integrados de Gestão "ERP-Enterprise Resource Planning" e uma aplicação em Instituição Financeira. Dissertação de Mestrado. São Paulo. Universidade Mackenzie, 1999.
CAMPOS, Anna Maria. Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro. Vol. 24. Nº 2, 1990.
DAVIS, Keith. Five Propositions for Social Responsibility. Business Horizons. Nova Iorque. Edição de Junho, 1975.
DRUCKER, Peter F. Converting Social Problems into Business Opportunities: The New Meaning of Corporate Social Responsibility. California Management Review. Berkeley. Edição do Inverno, 1984.
DUTRA, Arnaldo de Melo. Responsabilidade Social: Um Diferencial A Ser Adotado Pelas Organizações. Dissertação de Mestrado. Florianópolis. Universidade Federal de Santa Catarina, 2001.
FIGUEIREDO, Rodolfo Antonio de. Desenvolvimento Sustentável, Paradigma ou Ocaso? Revista Análise. Jundiaí. Nº 4, 2001.
FISCHER, Rosa M. e FALCONER, Andrés P. A atuação social e o estímulo ao voluntariado nas empresas. Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor. Programa Governamental Comunidade Solidária. Universidade de São Paulo. 1999.
FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. University of Chicago Press, 1963.
PEDERIVA, João Henrique. Accountability, Constituição e Contabilidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília. Nº 140, 1998.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. V: O Orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
Vivaldo José Breternitz * e
Sérgio Roberto Porto de Almeida * *
vjbreternitz[arroba]mackenzie.com.br