A arquitetura da informação e o sistema de publicação do

 

 

*Evento: V CONGRESO IBEROAMERICANO DE PERIODISTAS EN INTERNET
Independent Media Center
Carla Schwingel: Doutoranda emComunicação e Cultura Contemporânea - PósCom/UFBa. Bolsista CNPq. Mestre em Cibercultura. Membro do GJOL/UFBA - Grupo de Estudos em Jornalismo Online. Jornalista e arquiteta da informação.
Instituição: Universidade Federal da Bahia - Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea / GJOL.

 

Resumo: Este artigo pretende mostrar a evolução das tecnologias internet da programação estática até os sistemas de publicação com o uso de bancos de dados que somente são modelos possíveis de gerenciamento da informação devido à arquitetura complexa das redes telemáticas e das características das estruturas hipertextuais. Apresenta a arquitetura da informação e o sistema de publicação do sítio global do Independent Media Center e se utiliza desta experiência para complexificar as questões referentes à própria estrutura do "suporte" em rede e de possíveis caminhos para a publicação de conteúdos jornalísticos no ciberespaço.

Desdeofinaldosanos1980,organizaçõesnão-governamentais(ONGs) estabeleceram redes de interesses que utilizavam computadores conectados. E com a criação da Associação para o Progresso das Comunicações1, tiveram a sua disposição serviços de acesso internet com baixo custo, rapidez e alcance global, que configuraram novas possibilidades de organizações e ações políticas (KIDD, 2003, p.58; BENTIVEGNA, 2002). A primeira cobertura em tempo real de um evento via internet ocorreu em 1996 durante a Convenção Nacional Democrata em Chicago, Estados Unidos, quando ativistas lançaram o sítio Countermedia (Contra a mídia) que mostrou os protestos de rua e uma abordagem alternativa dos acontecimentos (MORRIS, 2002). Porém, naquele momento, a tecnologia internet disponível para desenvolvimento e postagem de informações era a linguagem de programação HTML (Hypertext Markup Language) estática. Para a atualização do conteúdo, os diferentes agentes envolvidos no processo precisavam ter conhecimento técnico de programação, fator que dificultava sobremaneira a publicação de informações:

A CMC, no final dos anos 1990, estava em vários aspectos crua e fragmentada. Ela era na maior parte baseada em texto, e suas várias modalidades eram acessadas de formas diversas: o e-mail requeria um sistema de envio das mensagens, os newsgroups da Usenet um leitor (já incorporado naquele momento no navegador Netscape, mas requerendo um servidor instalado), o Internet Relay Chat (IRC) precisava um cliente IRC, ICQ um cliente ICQ e assim por diante. Enquanto essas características estavam começando a se alterar em função da influência da World Wide Web, muitos usuários ainda experienciavam a CMC primariamente tal como o texto em ASCII, e tinham que ter um conhecimento especializado mínimo para acessar suas várias formas (HERRING, 2004, p. 27)2.

Assim, há uma percepção do processo de evolução que se estabelece desde o desenvolvimento e criação das ferramentas de postagem internet até sua incorporação como a própria infra-estrutura da rede (STAR; BOWKER, 2002), ou seja, o processo de criação, naturalização e apropriação das tecnologias internet pelos usuários (LEMOS, 2002). A tecnologia proposta e adotada pelo IMC permite que os conteúdos sejam alimentados de forma descentralizada, liberando o pólo de emissão das informações, transformando cada usuário final em um potencial produtor de conteúdos (LEMOS, 2002), de acordo com os princípios das denominadas publicações informativas abertas (MALTER, 2001; PLATON; DEUZE, 2003). Mas para que fosse possível tal forma de inserção de conteúdos, de acordo com o proposto por Star e Bowker (2002), haveria a necessidade da compreensão teórica e social da infra-estrutura tecnológica que se dispunha naquele momento para uma melhor utilização como fator comum e homogeneizador de uma prática social.

Em um primeiro momento, havia o HTML estático, esta uma linguagem de programação para o hipertexto que necessitou ser apreendida a partir da implementação da World Wide Web (WWW ou web), em 1991. Na ocasião, para se incluir um conteúdo na web, tinha-se que ir ao código da página e através de comandos de programação acrescentar o texto ou nome do arquivo da foto, por exemplo. Foi quando os formatos GIF (Graphics Interchange Format) e JPG (Joint Photographic Experts Group) de alta compressão de imagem passaram a ser conhecidos. O segundo momento, pode-se ponderar ser referente à incorporação de aplicativos prontos e disponíveis na rede, via scripts, que permitem a automatização de alguns processos na produção de produtos internet (como por exemplo: menus em Java; sistemas de publicação muito simples para páginas pessoais feitos pelos provedores de acesso; animações genéricas) e a proposição e o começo do uso das tecnologias como ambientes vinculados a bancos de dados (como o PERL - Practical Extraction Report Language- associado ao CGIs - Commom Gateway Interface-; o PHP - Hypertext Preprocessor -; o ASP - Active Server Page)3. Por fim, no terceiro momento há a utilização de sistemas criados a partir desses ambientes de programação associados a bancos de dados que automatizam a postagem das informações em tempo real por usuários de qualquer computador conectado à internet através de uma página do próprio navegador (browser) com o uso de uma senha ou cadastramento prévio que possibilita o acesso e a alteração dos conteúdos; é quando praticamente todas as tecnologias estão embutidas na World Wide Web (HERRING, 2004). Defrontamo-nos, assim, com a publicação aberta e o desenvolvimento colaborativo que caracterizam o Independent Media Center - IMC (Indymedia)4 e parecem representar, para o jornalista, a perda do controle do processo de produção de informações no ciberespaço (MACHADO, 2003).

 

A estrutura das redes hipertextuais

Uma estrutura em rede é composta por fluxos, nós e conexões, representando uma complexidade que visa tanto a estabilidade (sua característica sistêmica) quanto a instabilidade (seu teor enactivo5). Assim, a estrutura em rede pode ser compreendida como uma intermediação entre a ordem e o caótico, aquela que leva ou traz informações, que conecta, que abre ou fecha quando necessário. Ou seja, tanto apresenta as qualidades de uma, quanto da outra estrutura, possibilitando uma permeabilidade:

As redes têm as qualidades das rígidas formas sistêmicas e das voláteis formas enactivas. Por uma parte possuem certa estabilidade em sua configuração, não mudam tão rápido e desordenadamente. E por outra parte são maleáveis, têm certa plasticidade, movem-se, mudam de imediato e se reconfiguram. O enfoque em si mesma não contribui muito para visões extremas do social, porém ocorre algo muito diferente quando se coloca dentro de um contínuo entre extremos. Aí está sua qualidade própria. Um pesquisador pode situar uma certa região social configurada em rede mais até o sistêmico ou até o enactivo, em um caso tenderemos a certa regularidade no comportamento observado, no outro a uma criatividade e imprevisibilidade muito grandes6 (GALINDO CÁCERES, 2001, s. p).

Ao analisarmos essa estrutura sob o aspecto técnico ou operacional, surge a noção de fluxos de circulação que podem ser unidirecionais (com um ponto de origem) ou multidirecionais (não há um centro propulsor). Mas em qualquer estrutura em rede, a complementaridade entre as partes é um aspecto básico, assim como a regularidade da malha, onde cada parte é fundamental e estratégica para o todo. Os nós e as linhas só se diferenciam em termos de suas funções, não devido a alguma estrutura hierárquica, assim a rede como um todo se transforma somente pela expansão ou redução de sua malha. A partir dessas noções, podemos compreender o princípio da exterioridade proposto por Lévy (1993) para o hipertexto e expardimos tal relação para a arquitetura da informação do IMC. Analisando cada sítio como um nó, a cada novo ponto que passa a compor a rede há uma alteração completa que a modifica como um todo, evidenciando-a como um complexo absoluto, ou seja, explicita aquelas informações que fazem parte da rede e as que são externas a ela. Ainda nesse sentido, de acordo com a multiplicidade e encaixe das escalas, outra característica do hipertexto (LÉVY, 1993) ou da infra-estrutura (STAR; BOWKER, 2002), podemos observar as matérias como os nós desta rede, onde as novas postagens de conteúdos (informações, comentários, contestações) somente ocorrem na sua extremidade, modificando e explicitando o pertencimento ao serem incluídas ou excluídas por serem o limite da malha.

Um outro ponto interessante em relação ao aspecto estrutural do IMC é a sua constituição formada por agrupamentos operacionais conhecidos como coletivos que são grupos de ativistas responsáveis pela cobertura de uma determinada região. Eles são autônomos uns dos outros e respondem pelas informações e viabilidade técnica de seus sítios. Estão dispostos em termos dos coletivos técnico e editorial, denominados de temáticos, e dos grupos de trabalho que se estabelecem local, nacional, regional e globalmente. A atuação de cada coletivo é descentralizada e em todos há os coletivos temáticos e os grupos de trabalho. Voltando à noção da multiplicidade, podemos inferir que cada nó ou conexão da rede do IMC possui a macroestrutura organizacional como um todo uma vez que os ativistas se organizam em coletivos que são compostos por outros coletivos que, por sua vez, contêm outros, são intrinsecamente vinculados e apresentam estrutura funcional e organizativa idêntica a da rede mundial em sua totalidade. Cada ponto é uma teia autônoma e ao mesmo tempo somente um nó de uma rede mais ampla. Assim, cada coletivo país, região, local reflete a estrutura do IMC em seu inteiro.

O IMC institui um processo e apuração das informações e de tomadas de decisões editoriais que se dá através das listas de discussão mundiais, regionais ou locais. Nelas, os ativistas sugerem, emitem opiniões sobre questões, problemas técnicos e editoriais que vão surgindo. Em um processo contínuo e dialógico, chegam a consensos tanto sobre tecnologias, configurações de softwares, temáticas a serem exploradas e direcionamentos tomados no trabalho interno quanto à postura editorial. O coletivo técnico trabalha com a manutenção da infra-estrutura que mantém o sistema e os servidores7. O editorial produz as informações que estão dispostas na área central do sítio, aquelas pelas quais o IMC é responsável.

Por outro lado, ao denominar-se um "centro" parece querer ignorar o fato de que a rede, o hipertexto (o suporte imaterial no qual se estrutura) possui como característica a mobilidade dos centros (LÉVY, 1993), resultando em uma configuração na qual os pontos são constantemente recentrados e reposicionados a partir do núcleo momentâneo. Uma intencionalidade que certamente é editorial, já que estruturalmente as distintas páginas principais dos sítios da rede mundial representam centros diferenciados e a arquitetura da informação é planejada de forma a remeter a informações que estão nos sítios de outros coletivos. Porém, em relação à exterioridade de sua rede não há maiores vinculações, ou seja, se o usuário entra na malha do IMC será remetido quase em absoluto a outras informações alternativas à grande imprensa, o que nos leva a inferir que a lógica estrutural é a de portal, conforme discutiremos adiante.

Atualmente, o IMC possui 141 sítios em todos os continentes, sendo que o brasileiro é mantido por dez coletivos locais (CMI, 2004)8. Com o crescimento e complexidade de sua rede, a necessidade de organização das informações passou a ser indispensável. Em abril de 2001, na Press Freedom Conference, em São Francisco (EUA), foi formulado um documento com os princípios reguladores dos coletivos que visa garantir a organização descentralizada através da auto-regulação de coletivos autônomos, o fluxo livre de acesso e troca de informações, a publicação aberta para ação direta de leitores anônimos ou não, a prática das ações ser exclusivas de voluntários, a não-lucratividade, o uso do consenso para a tomada de decisões, a utilização de softwares livres ao invés de proprietários, o respeito ao princípio da igualdade humana e a promoção da diversidade local (IMC, 2003). No momento de sua constituição, os coletivos se comprometem a respeitar tais princípios que foram elaborados com vistas a garantir a união e política editorial do IMC.

 

A arquitetura da informação

A arquitetura da informação normalmente é compreendida como a estrutura hierárquica da informação em um sistema, no entanto para a Comunicação e especificamente para os produtos do Jornalismo Digital entendê-la somente sob neste aspecto não é suficiente ou satisfatório. O conceito foi criado em 1962 por Richard Wurman (LÓPEZ, GAGO, PEREIRA, 2003) e desde então com a crescente utilização das tecnologias em rede vem se complexificando, principalmente depois da atualização feita por Rosenfeld e Morville (1998) para as características da web. De acordo com López, Gago, Pereira (2003) e Machado (2004), hoje tal noção não pode estar dissociada da seguinte linha evolutiva: 1º) de 1962 à década de 1990 - um sistema de orientação para se chegar a determinadas informações, 2º) década de 90 - um sistema que, além de orientar o usuário na busca, possibilita a recuperação das informações e 3º) Anos 2000 - um roteiro para a criação de narrativas multimidiáticas.

Nesse sentido, podemos propor a seguinte complexificação: em uma primeira instância a arquitetura da informação seria a preocupação com o mapa, a estrutura que permite ao usuário chegar a um determinado conteúdo no sistema; em um segundo aspecto integraria os fluxos informacionais: as relações dos conteúdos entre si e destes com os usuários em sistemas mais complexos; e em um terceiro, já com vistas a produtos informativose jornalísticos,c orresponde àintegração de estruturas narrativas multimidiáticas diferenciadas de acordo com os gêneros ou a especificidade de determinado produto propostas desde a sua concepção. Ou seja, a arquitetura da informação integraria as noções de infra-estrutura das tecnologias em rede das comunicações mediadas por computador (STAR, BOWKER, 2002), com as dos sistemas das redes híbridas complexas com agentes humanos e não-humanos que se estruturam a partir de organizações sociais ou de sub-sistemas, - isto é, de "um sistema que funciona como ambiente de informação, comunicação e ação múltiplo e heterogêneo para outros sistemas" (PALÁCIOS, 2003, p.07) -, com as questões dos gêneros jornalísticos, literários, narrativos e multimidiáticos (CODINA, 2003). A esse aspecto, López, Gago e Pereira (2003, p. 198) sugerem:

(...) Entendemos que a arquitetura da informação inclui o planejamento estrutural do mapa de conteúdo: a definição de seus itens de conteúdo, das relações que operam entre eles e, em geral, de toda a organização de fundo que sustenta o sistema. A arquitetura da informação envolve, portanto, o estabelecimento de alicerces, os espaços internos e o aspecto externo de um cibermeio9.

Ao procurarmos analisar a arquitetura da informação do sítio global do IMC10 percebemos que o conteúdo está disposto em quatro áreas. A primeira, na parte superior da tela, contém a logomarca e links para alguns coletivos que textualmente circundam a tipologia (demonstrando ser uma rede) e a proposta editorial: "Indymedia é um coletivo de organizações de meios de comunicação independentes e de centenas de jornalistas que oferecem uma cobertura de base e não comercial. Indymedia é um meio democrático para a criação de narrativas verídicas radicais, exatas e apaixonadas" (IMC, 2004)11. Ainda nesta área há cinco links:

1) para o arquivo das notícias elaboradas pelo coletivo global (na coluna central do sítio);

2) para o arquivo das informações postadas pelos coletivos locais ou regionais na área aberta (na coluna da direita);

3) para a página de publicação;

4) para links de instituições subdivididas em direitos dos animais, meio ambiente, educação e outras; e

5) para as explicações do que é o IMC, sua sistemática e política editorial. A segunda área é a coluna da esquerda, abaixo da logomarca e contém as diferentes línguas nas quais o sítio pode ser visualizado; um banner com um acontecimento, campanha, protesto que se pretenda dar maior destaque; uma área para informar e-mail e receber as novidades do IMC; novamente links para a área de livre publicação para texto, vídeo, áudio e fotografia; e para a dos arquivos das notícias e informações; e por fim a relação dos projetos e dos IMCs no mundo subdivididos por regiões, continente ou países, de acordo com o número de coletivos.

A terceira área é a coluna central que contém as notícias elaboradas pelo coletivo global a partir dos coletivos de todo o mundo. Através das listas de discussão mundial do coletivo temático editorial, escolhem-se as informações que irão para esta área de destaque do sítio. Os coletivos se responsabilizam pela apuração das informações postadas nesta área e colocam o ativismo mundial como referência para as mesmas. As notícias são divididas por uma cartola com assunto (racismo, luta social, violência, meio ambiente etc.) e data respectiva e são compostas pelos: título; texto circundando uma foto; link para áudio, vídeo ou fotos adicionais; link para o coletivo que publicou originalmente a informação; links para informações anteriormente postadas nos IMCs; e links para outras informações elaboradas por ativistas que estão em outras organizações. Todas terminam com um "leia mais" e um "adicione uma tradução". Qualquer pessoa pode fazer a tradução da notícia e enviá-la12, as línguas nas quais há a informação traduzida são acrescidas a um menu final a cada notícia. No final desta coluna, há novamente os cinco links mencionados no sub-menu da área superior, o convite à participação e um aviso de que as informações contidas ali foram elaboradas pelos coletivos e de que todas podem ser utilizadas para uso não- comercial, a não ser que o autor manifeste de forma explícita a não concordância.

A coluna da direita, a quarta área, contém a chamada para a rede de cobertura das rádios do IMC em todo o mundo; outra para os próximos eventos que os ativistas estarão cobrindo (e remete para o site protest.net13). Abaixo, há dois tipos de informações que ocupam a mesma área. De forma direta, são abertas na página as notícias compiladas pelos coletivos locais do IMC, ao lado do título da coluna há o link "publicação aberta" que ao ser acionado substitui as informações dos coletivos pelas postadas diretamente pelos usuários e no final levam para o arquivo (a memória) de todas as publicações abertas. As notícias editadas pelos coletivos locais entram pela editoria ou tema, o título e o começo do lide e são remetidas para a matéria completa postada no IMC de origem. A data e horário da inclusão da informação sempre são informados pelo sistema, bem como o coletivo que o postou remetendo para a página principal deste. As notas da publicação aberta entram somente pelo título e data e abrem para uma página com a informação da língua original, as possíveis traduções existentes, o título, o autor, o dia e o horário da postagem, o conteúdo (texto, foto, áudio e vídeo) e a possibilidade de acrescentar comentários.

Cada coletivo possui um sítio que apresenta, praticamente, essa mesma estruturação. As informações diretamente inseridas pelos usuários que são consideradas ofensivas ou despropositadas saem das áreas de publicação e ficam em um local denominado "lixo aberto", sob a autonomia de cada coletivo, mas obrigatoriamente disponível. No sítio global, esta área encontra-se um pouco resguardada; para acessá-la precisa-se entrar na opção "Publicar", escolher "Política Editorial" e, por fim, "Artigos Ocultos". Nos coletivos locais, geralmente, o "lixo aberto" fica mais evidente. Todos, praticamente, utilizam o mesmo sistema de publicação, o que acaba por padronizar a interface gráfica, com algumas pequenas variações.

Portanto, a arquitetura da informação do IMC é estruturada no formato portal14, pois seu intuito é ser uma porta de entrada e um direcionamento para informações alternativas na internet. A partir de qualquer um dos mais de cem sítios do IMC podemos chegar a informações que a grande imprensa geralmente minimiza ou não publica. A arquitetura da informação do IMC, apesar de muito complexa e, efetivamente conforme vimos, gerar integração entre diferentes agentes possibilitando uma rede mundial de troca, integração, discussão, apuração e edição de informações, ainda não prevê em sua concepção o terceiro aspecto evolutivo apresentado pelos pesquisadores do Jornalismo Digital, ou seja, a elaboração de estruturas narrativas multimidiáticas diferenciadas para notícias, editorias ou gêneros jornalísticos. O sistema prevê a arquitetura dos sítios em seu entorno, mas não a das informações cada uma por si só; não prevê a incorporação da arquitetura da informação como estrutura narrativa das informações exclusivas que o IMC produz. Em última instância, na elaboração do conteúdo jornalístico, o ciberespaço é utilizado como se fosse um suporte e não um ambiente para construção de histórias, para a proposição de narrativas diferenciadas queconsideremos aspectos da interatividade, multimidialidade, hipertextualidade, personalização, supressão dos limites de tempo e espaço, memória e atualização contínua (SCHWINGEL, 2003).

 

A publicação no IMC

O desenvolvimento de tecnologias que forneçam suporte para o sistema de produção e que se estruturem de forma a elaborar modelos de negócios e dinâmicas diferenciadas parece ser o aspecto crucial a se ponderar para o processo de industrialização do jornalismo digital. Foi, certamente, essa lógica que levou o IMC a utilizar várias tecnologias integradas para a apuração, a seleção, a publicação e a edição de informações. O nosso foco, neste momento, é o sistema de publicação, pois o compreendemos como fator primordial para a aplicabilidade das propostas editoriais do IMC.

Sistemas de publicação são tecnologias que facilitam a postagem de conteúdos em páginas web ou em outras plataformas de acesso (como as das redes sem fio que levam informações para telefones celulares, palmtopes e computadores portáteis). Associados à idéia do desenvolvimento colaborativo da publicação aberta, esses geram ambientes em que a livre postagem de informações pode transformar cada leitor em um co-autor dos sítios internet e, de acordo com o grau de interferência, o resultado pode ser um hipertexto cooperativo ou um hipertexto colagem (PRIMO; RECUERO, 2003).

No caso, o sucesso do IMC somente pôde ser alcançado devido ao sistema de publicação Catalyst (Catalizador), desenvolvido pelo ativista australiano Mathew Arnison, para ser utilizado em junho de 1999 com vistas a cobrir os protestos do Dia de Ação Global, em Sidney. Em novembro deste mesmo ano, Arnison e um grupo de tecnólogos estiveram auxiliando os grupos estadunidenses para divulgar os protestos ocorridos no encontro da Organização Mundial do Comércio, em Seattle:

Antes de Seattle acontecer, eu não acredito que ninguém tenha imaginado que a rede seria uma ferramenta tão popular e efetiva. Certamente, muitos grupos têm sítios web, mas o dinamismo do sítio de Seattle foi fenomenal. Isto foi em grande parte devido ao potencial sem igual do software Catalyst, que tornou fácil para todo o mundo não só postar textos como também fotografias, vídeos e arquivos de áudio. O software Catalyst foi desenvolvido na Austrália por Mathew Arnison e outros para utilização por ativistas australianos. Mathew esteve em Boulder um pouco antes do evento de Seattle e pôde apresentar a Manseur Jacobi e a outros técnicos o código do Catalyst. A estratégia por si só era fazê-lo tão acessível quanto possível, não só para baixar arquivos, mas também para enviar conteúdo. Eu penso que só depois que o sítio ficou tão efetivo é que nós começamos a realmente compreender o quão poderosa era a ferramenta15 (WEINGARTNER, 2001, s.p.).

O sistema desenvolvido por Arnison é um dos vários CMS (Content Management System) em código aberto e software livre que visam de forma prioritária possibilitar a publicação, com vistas a gerenciar as rotinas de seleção, aprovação e edição dos conteúdos. Esses sistemas são possíveis devido à integração da estrutura hipertextual com o design das tecnologias denominadas por Lessing (2003) como inovação comum end-to-end (fim-a- fim), que representam de acordo com o pesquisador o coração da internet, pois possibilitam a criação de níveis intermediários que vão estruturando, com a inclusão de novos conteúdos, a malha, os desdobramentos da rede. Os sistemas de publicação (ou de gestão de conteúdos) geram, a partir da utilização de um banco de dados, sítios dinâmicos e são elaborados em ambientes ou plataformas de desenvolvimento, como PHP, ASP, PERL ou da linguagem Java associados a bancos de dados como o SQLServer, Oracle, MySQL e PostGress SQL (LÓPEZ, GAGO, PEREIRA, 2003).

Em 2001, o coletivo da Alemanha, a partir da iniciativa do Grupo Nadir16, desenvolveu o CMS denominado MIR17, já com as especificidades da rede IMC que passou a ser utilizado por quase todos os coletivos do mundo. O coletivo técnico brasileiro do CMI parece ter aprimorado alguns aspecto do MIR ao incluir uma ferramenta interna de busca (no global não é recomendado seu uso)18 e ao customizar três cores distintas para o sítio, alterando também o banner da área superior da tela principal. Se formos analisar a tipologia do hipertexto do IMC, desenvolvida por Primo (2003), podemos afirmar que o sítio revela-se como um hipertexto colagem, pois resulta de uma atividade de escrita coletiva, porém efetivada em áreas definidas pelos editores (os coletivos), representando partes em separado que o sistema une disponibilizando as informações de acordo com uma hierarquia previamente definida. O hipertexto cooperativo, por outro lado, é aquele em que os usuários possuem a possibilidade de alterar ou criar um texto em conjunto em que cada um pode escrever e reescrever qualquer parte inicialmente postada por outros. O conteúdo, neste caso, é do grupo, ou seja, de todos os integrantes da comunidade. A tecnologia referência para este tipo de desenvolvimento é a Wiki (WikiWikiWeb), criada em 1995, sendo que o Twiki (TakeFive Wiki)19 é um dos aplicativos (WikiWikiClones) mais utilizados e difundidos para o desenvolvimento colaborativo. O IMC vale-se do hipertexto no modelo cooperativo para a troca de informações, documentações e conteúdos entre os coletivos e grupos de trabalho, ou seja, para a área administrativa de sua rede mundial. Para a de publicação aberta, por outro lado, utiliza-se do modelo colagem, que garante uma estrutura da informação previamente definida e um controle editorial do material publicado.

Analisando sob o ponto de vista técnico, talvez o fato do IMC não utilizar o Twiki como sistema se publicação ocorra devido a que os usuários precisam conhecer a sintaxe (alguns comandos) da linguagem de programação, extremamente simples, porém necessária para a postagem das informações. Em redes de ativistas muitas vezes pode haver pessoas não muito afeitas a computadores e suas peculiaridades. Assim, havia a necessidade de um sistema ainda mais "naturalizado", que pudesse ser utilizado como um editor de textos, sem o menor conhecimento das tecnologias internet.

Sob o ponto de vista editorial, um CMS que gerencia a entrada das informações como um hipertexto colagem se constitui em uma opção muito mais interessante quando o intuito é fornecer um acesso irrestrito a qualquer pessoa que deseje publicar conteúdos. Considerando o fato de que a proposta da rede mundial do IMC é fazer a cobertura de eventos e protestos que normalmente não são mostrados na grande imprensa, um hipertexto cooperativo (um sistema totalmente colaborativo) poderia não ser satisfatório, uma vez que ou os integrantes das comunidades teriam que ser previamente cadastrados (o que tiraria o imediatismo dos fatos) ou qualquer pessoa poderia alterar as informações depreciando a versão apresentada pelos ativistas em conformidade com a proposta editorial.

Em complemento também podemos pensar que as tecnologias de postagem fornecem a infra-estrutura da rede e, conseqüentemente, as possibilidades de caminhos para a inclusão de novos conteúdos que irão formatando a malha no todo. A estrutura da rede do IMC, gerada por seu sistema de publicação, constitui uma malha descentralizada em que há pontos centrais aglutinadores de informações (as páginas principais dos distintos sítios). Outras tecnologias como o Twiki e aquelas das redes peer-to-peer (ponto-a-ponto) ou P2P se organizam de forma distribuída, ou seja, podemos dizer que elas efetivamente criam pontos e níveis aleatórios sem seguir uma arquitetura da informação pré-formatada (SILVA, 2003). Elas tecem a malha livremente. Para uma maior elucidação, as imagens A e B demonstram a malha das redes descentralizadas e distribuídas, respectivamente.

 

Imagem AImagem B

Arquitetura de redeArquitetura de rede descentralizada dos CMSs.distribuída dos P2P. Estrutura do IMCEstrutura do Twiki

Assim, podemos afirmar que os sistemas de publicação, para o Jornalismo Digital, apresentam-se como uma melhor opção do que as tecnologias colaborativas das redes distribuídas. Talvez torne-se imperativo sua adaptação para a elaboração de produtos jornalísticos. Ao serem projetados pelas equipes multidisciplinares (SCHWINGEL, 2002), de acordo com as especificidades do produto jornalístico, poderiam ter incorporados

possibilidades distintas de publicação em um mesmo produto, com a arquitetura da informação em matrizes flexíveis que produziriam estruturas narrativas distintas. Em um sistema de publicação, a inclusão de informações pode ser aberta, porém a estrutura sempre está previamente definida, por mais opções que forneça.

 

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Notas

1 http://www.apc.og .

2 Livre tradução: "CMC in the late 1990s was in some respects crude and fragmented. It was mostly text-based, and its various modes were accessed by disparate means: email required a mailer system, Usenet newsgroups a newsreader (already incorporated by that time into the Netscape browser, but requiring server set-up), Internet Relay Chat (IRC) required an IRC client, ICQ an ICQ client, and so forth. While both of these characteristics were beginning to charge under the influence of the world wide web, many users still experienced CMC primarily as ASCII text, and once had to have a modicum of specialized knowledge in order to acces its various forms".

3 A linguagem e programação Perl foi criada em 1987, ou seja, antes do WWW, implementado em 1991 e popularizado a partir de 1992. A utilização de Perl no desenvolvimento internet ocorre associada aos códigos de CGI (Commom Gateway Interface) que também podem ser escritos em C, C++, Java, Pascal, Fortran ou Delphi. O PHP foi desenvolvido por um grupo de programadores não vinculado a nenhuma empresa, o OpenSource, e é uma tecnologia script processada no servidor que permite a execução de alguns comandos que podem tornar dinâmicas as páginas HTML, identificar o usuário, entre outras ações - e guardam tais informações evitando, assim, ter que efetuar novamente a pergunta. Outras tecnologias que também são embutidas no HTML e interpretadas pelo servidor são o ColdFusion, da Allaire, e o ASP, da Microsoft, que roda scripts baseados em sintaxe da linguagem de programação Visual Basic.

4 O Centro de Mídia Independente também é conhecido por Indymedia. Para tentarmos facilitar a compreensão, quando a referência for à rede global ele será tratado no artigo por IMC, a sigla para Independent Media Center. Quando tratar-se do sítio ou coletivo brasileiro será denominado por CMI, a sigla para Centro de Mídia Independente.

5 Enactiva ou enacción é um neologismo utilizado por Cáceres para conceituar a figura do instável ou caótico na composição e organização do espaço social.

6 Tradução própria: Las redes tienen las cualidades de las rígidas formas sistémicas y de las volátiles formas enactivas. Por una parte poseen cierta estabilidad en su configuración, no cambian tan rápido y sin orden. Y por otra parte son maleables, tienen cierta plasticidad, se mueven, cambian de pronto y se reconforman. El enfoque en sí mismo no aporta demasiado a las visiones extremas de lo social, pero sucede algo muy distinto cuanto se les ubica dentro de un continuo entre los extremos. Ahí está su cualidad propia. Un investigador puede ubicar a cierta región social como configurada en una red más hacia lo sistémico o hacia lo enactivo, en un caso tendremos una cierta regularidad en el comportamiento observado, en el otro una creatividad e imprevisibilidad muy grandes.

7 O servidor principal é o Stallman, em Seattle (EUA). Nome dado em homenagem a Richard Stallman um dos principais ativistas do Software Livre e criador da Free Software Foundation, referência absoluta no mundo livre do desenvolvimento. Em agosto de 2002, devido ao crescimento da rede Latino-Americana do CMI, o coletivo Brasil propôs a compra e administração do servidor New Daileon que hospeda os sítios do Brasil, da Índia e do sul do Chile (Chilesur). O servidor encontra-se fisicamente em São Paulo.

8 Esse dado significa que no número de 141 estão inclusos somente aqueles coletivos que possuam sítios com domínio e informações próprias; e é o dado de complexidade, pois ao mesmo tempo em que o coletivo brasileiro é apenas um, também é composto por dez outros coletivos.

9 Livre tradução: "(...) entendemos que la arquitectura de la información incluye la planificación estructural del mapa de contenido: la definición de sus ítem de contenido, de las relaciones que operan entre ellos y, en general, de toda la organización del back-end que sustenta el sistema. La arquitectura de la información involucra, por lo tanto, a la cimentación, a los espacios interiores y aspecto externo de un cibermedio".

10 http://www.indymedia.org .

11 Livre tradução: "Indymedia is a collective of independent media organizations and hundreds of journalists offering grassroots, non-corporate coverage. Indymedia is a democratic media outlet for the creation of radical, accurate, and passionate tellings of truth".

12 Esta possibilidade não é muito condizente com a proposta editorial, pois somente estariam nesta área as matérias editadas pelos coletivos. Ao solicitar esclarecimentos aos ativistas do CMI Salvador, após verificarem o procedimento, informaram-me que estarão colocando em discussão no coletivo Brasil a proposição de que o coletivo temático editorial mundial aprove as traduções.

13 http://www.protest.net

14 Portais são considerados sítios que possuam uma grande complexidade de informações diversas e como intuito principal a guiança da navegação do usuário pela internet. Uma melhor compreensão histórica do conceito e da discussão se os portais seriam o fator de massa em um meio segmentado pode ser vista no segundo capítulo da dissertação "Jornalismo Digital e a informação de proximidade: o caso dos portais regionais com estudo sobre o UAI e o iBahia", defendida por Suzana Barbosa em dez. 2002 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea - Facom/UFBA.

15 Livre tradução: "Before Seattle happened, I don't think anyone really imagined that the web site would be such a popular and effective tool. Sure, many groups have web sites, but the dynamism of the Seattle site was phenomenal. This was to a great extent due to the unique potential of the Catalytst soft ware, which made it easy for everyone to post not only text, but photos, video and audio files. Catalyst was developed in Australia by Mathew Arnison and others for use by Australian activists. Mathew just happened to be in Boulder shortly before Seattle and was able to introduce Manseur Jacobi and other tech people to the Catalyst code. The strategy per se was just to make it as accessible as possible, not only for downloading, but also for uploading. I think that only after the site went up and became so effective that we began to really understand what a powerful tool it was".

16 http://www.nadir.org

17 http://mir.indymedia.org

18 Nas Perguntas Mais Freqüentes (FAQ) do Indymedia há a recomendação para o uso de uma ferramenta de busca externa, no caso o Google, devido à demora e peso das informações do sítio.

19 O TWiki é um conjunto de scripts cgi-bin escrito em linguagem de programação Perl. O sistema lê um arquivo texto, gera os links e o converte para HTML em tempo real. O intuito é facilitar o processo de edição e a busca de informações nas páginas.

 

Carla Schwingel:


 
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