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As amostras de terra foram coletadas em unidade de solo pertencente ao grande grupo Latossolo Roxo, textura argilosa. A análise granulométrica na profundidade de 0-20 cm mostrou os seguintes resultados: argila (580 g/kg), limo (160 g/kg), areia fina (200 g/kg), e areia grossa (60 g/kg). As áreas estudadas apresentaram, em média, as seguintes características químicas em amostras de solo coletadas na camada de 0-20 cm, em 1993, antes da amostragem para as análises do trabalho: M.O.= 36 g/kg; pH (em CaCl2 ) = 4,7; Al + H= 64 mmolc/dm3; Ca = 20 mmolc/dm3; Mg = 6 mmolc/dm3; K= 3,1 mmolc/dm3; P (resina) = 17 mg/dm3, de acordo com o Instituto Agronômico (1996).
As diferentes formas de manejo do solo constituíram-se de quatro áreas, descritas a seguir: a primeira área, com mata natural (condição natural de cobertura do solo); na segunda área, a mata natural foi retirada em 1940, e, depois de sucessivas queimadas, foi instalada a cultura do cafeeiro até 1960, quando este foi substituído pela cultura do citros, explorada economicamente até 1978, e então, foi introduzida a cultura da cana-de-açúcar, que permaneceu até 1994 (totalizando 54 anos de uso agrícola); na terceira área, a mata natural foi retirada em 1976, sendo em 1977 formado cafezal, o qual foi explorado até 1994 (totalizando 18 anos de uso agrícola). Desta terceira área, uma quarta foi obtida, quando, em 1991, metade da área foi transformada em cultivo de milho até 1994.
Para a análise estatística, fez-se uso de um delineamento experimental inteiramente casualizado. Para efeito da verificação de possíveis diferenças entre os usos agrícolas do solo, os dados foram analisados em esquema de parcelas subdivididas: os tratamentos principais foram constituídos por seis manejos do solo, e o tratamento secundário, por duas profundidades de amostragens (Pimentel-Gomes, 1966).
Os tratamentos principais do esquema estatístico foram definidos pelas quatro áreas (já descritas) e duas posições de amostragens nas culturas de cana-de-açúcar e cafeeiro (linha e entrelinha), num total de seis tratamentos. Cada parcela era de1 ha.
Em resumo, os tratamentos ficaram definidos da seguinte maneira: 1- mata natural (MN); 2- mata natural até 1976 e café até 1994, amostragem na projeção da copa (PC); e 3- mata natural até 1976 e café até 1994, amostragem na entrelinha (EL); 4- mata natural até 1976, café até 1991 e milho até 1994 (MI); 5-mata natural até 1940, café até 1960, citros até 1978 e cana-de-açúcar até 1994, amostragem na linha (CL); e 6- mata natural até 1940, café até 1960, citros até 1978 e cana-de-açúcar até 1994, amostragem na entrelinha (CE).
Utilizaram-se três repetições para cada tratamento e foram coletadas 20 amostras simples nas profundidades de 0-10 e 10-20 cm. Estas foram reunidas por profundidade, formando uma amostra composta por parcela. Portanto, três amostras compostas para cada tratamento.
Na área com mata, as amostras simples foram obtidas por caminhamento em ziguezague dentro das áreas úteis das parcelas. O mesmo procedimento foi adotado nas parcelas cultivadas com milho, uma vez que as amostras foram obtidas após preparo do solo.
As adubações e calagens foram feitas segundo recomendações oficiais para o Estado de São Paulo.
Nas amostras, após os devidos preparos no laboratório, procedeu-se à determinação do C orgânico (Dabin, 1976), determinação do C microbiano pelo método de fumigação-incubação (Jenkinson & Powlson, 1976) e extração e fracionamento da matéria orgânica do solo (Duarte, 1994).
Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam que os maiores valores de C orgânico no solo e na fração humina foram encontrados no tratamento com mata natural, e os menores, no tratamento com cana-de-açúcar, nas duas profundidades de amostragem. Os teores de C orgânico das frações ácido fúlvico e ácido húmico não foram afetados significativamente pelos usos agrícolas do solo. No entanto, ao analisar a porcentagem do C orgânico do solo presente na forma de ácidos fúlvicos e ácidos húmicos, observa-se que aumentou com os usos agrícolas do solo em relação à mata natural, principalmente na profundidade de 0-10 cm (Tabela 2). Este fato teve reflexo no teor de matérias húmicas no solo (ácidos fúlvicos + ácidos húmicos), que com os usos agrícolas do solo houve uma tendência de aumentar a porcentagem de C orgânico na forma de matérias húmicas em relação à mata natural, nas duas profundidades (Tabela 2). Estes valores de matérias húmicas são menores do que os obtidos por Andreaux & Becerra (1975) fracionando matéria orgânica de solos ácidos tropicais com NaOH 0,1 N, os quais encontraram que, em média, 41% do C foi extraído como matéria húmica.
O solo apresentou, em todos os tratamentos, inclusive na mata natural, menores porcentagens de C orgânico na forma de ácidos fúlvicos do que na forma de ácidos húmicos; isto é um dos fatores que podem colaborar para uma menor lixiviação ou translocação de elementos no perfil do solo (Greenland, 1965).
Por outro lado, predominou no solo o C orgânico na forma de húmus residual (humina), acima de 74% do C total, nas duas profundidades (Tabela 2). Este dado é superior ao obtido por Roth et al. (1992), que verificaram valores na faixa de 52,4% a 63,9%, em um Latossolo Roxo distrófico, em Londrina, PR.
Um alto teor de argilas oxídicas pode ter atuado como fonte de Al e Fe, complexando e retendo o húmus na forma de humina. Isto confere certa estabilidade na matéria orgânica do solo (Pirakornphanich et al., 1988).
O efeito do manejo do solo e da cultura é evidenciado ao se compararem os teores de C orgânico das áreas com café com os da área onde foi cultivado por três anos o milho, uma vez que as duas áreas possuem o mesmo histórico até 1991. A área com cultivo do milho apresentou teores de C orgânico iguais ao da área com cana-de-açúcar, apesar de não ter diferido da área com café. Isto indica que três anos de cultivo do milho foram suficientes para apresentar uma tendência de redução no C orgânico do solo.
Em solo (Entisol) mantido sob gramíneas naturais e cultivado com milho por 40 anos, ocorreram quantidades de C iguais a 36,4 g/kg e 10,8 g/kg, respectivamente (Riffaldi et al., 1994). Isto representa uma redução de até 70% pelo uso do solo por 40 anos com cultivo do milho, em relação à gramínea natural.
Este fato sugere que ao se alterar o manejo, a matéria orgânica sofre rápidas alterações, atingindo um novo equilíbrio, sendo maior na mata natural, menor em culturas permanentes, e ainda menor nas culturas anuais.
A Tabela 3 indica que as maiores reduções no teor de C orgânico no solo ocorreram na camada de 0-10 cm, e menores, na profundidade de 10-20 cm. A área com cana-de-açúcar apresentou reduções de 41,3% a 49,1% na profundidade de 0-10 cm. Na camada de 10-20 cm, a redução ficou ao redor de 23,7% a 35,8%.
Cerri (1986) detectou uma redução de 38% e 46% no estoque de C na camada de 0-20 cm do solo, aos 12 e 50 anos, respectivamente, de cultivo intenso de cana-de-açúcar, valores, estes, próximos aos apresentados na Tabela 3.
A redução do aporte de C no solo não se deve unicamente à redução da quantidade de resíduos adicionados, mas também, ao aumento da atividade microbiana, causado por melhores condições de aeração, temperaturas mais elevadas e alternância mais freqüente de umedecimento e secagem do solo (Stevenson, 1982), pelo uso contínuo de implementos, pela sucessão contínua, pelas queimadas, e pelas perdas causadas pela própria erosão.
Analisando-se as posições de amostragens (linha e entrelinha), não se observaram diferenças significativas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade quanto ao teor de C orgânico do solo e fração humina, na mesma cultura.
A análise estatística dos dados referentes ao C microbiano do solo detectou efeito significativo a 1% de probabilidade no uso do solo, e não-significativo quanto à profundidade. Os maiores valores de C microbiano estavam nos tratamentos com cana-de-açúcar, e os demais tratamentos não diferiram da mata natural (Tabela 4).
O fato de não haver efeito significativo em profundidade pode ser conseqüência de a maior parte da biomassa microbiana se encontrar nos primeiros 0-15 cm superficiais do solo, e de a distribuição desta ser praticamente uniforme (Cerri et al., 1985).
A relação C microbiano/C orgânico apresentou maior valor nos tratamentos com cana-de-açúcar (3,1 a 3,5), exceto para cana (EL) na profundidade de 0-10 cm. Provavelmente, o menor valor encontrado pode ser conseqüência de problemas com a amostragem (Tabela 4). Marchiori Júnior (1998), estudando uma terra roxa estruturada submetida ao cultivo com algodoeiro por dez anos encontrou valores de C microbiano/C orgânico na faixa de 0,7 a 0,8. Estes valores estão próximos aos obtidos na mata natural (1,1 a 0,8).
O aumento da biomassa microbiana na cana pode ser devido a características intrínsecas à cultura, tais como produtos orgânicos novos gerados pelas plantas cultivadas, principalmente pelas raízes (Warembourg & Morral, 1978; Sauerbeck et al.,1982).
Com a instalação da agricultura, os teores de C total no solo tenderam a diminuir e não necessariamente levou à redução do C microbiano do solo. Wardle (1992) cita que os valores de C microbiano nem sempre se relacionam com o C orgânico do solo. O C orgânico do solo também não se correlacionou com o C microbiano na profundidade de 10-20 cm em solo sob mata natural, pastagens e cultivo anual do algodoeiro (Marchiori Júnior, 1998).
1. A mata natural apresenta os maiores valores de C orgânico no solo e na fração humina e os menores valores estão presentes nas áreas com cana-de-açúcar.
2. As áreas com cana-de-açúcar apresentam maiores valores de C microbiano que a mata natural.
3. Os usos agrícolas do solo aumentam a porcentagem de C orgânico na forma de ácidos húmicos e fúlvicos.
4. O solo apresenta mais de 74% do C orgânico na forma de humina.
À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio financeiro.
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Milton Marchiori Júnior2 E Wanderley José De Melo3
wjmelo[arroba]fcav.unesp.br
1 Apresentado no XII International Symposium on Environmental Biogeochemistry, Rio de Janeiro, RJ.
2 Eng. Agrôn., M.Sc., UNESP-FCAV, Av. Pintos, 1341, CEP 14870-000 Jaboticabal, SP. Bolsista da FAPESP. E-mail: mmarchi[arroba]fcav.unesp.br
3 Eng. Agrôn., Dr., Prof. Titular, Dep. de Tecnologia, UNESP-FCAV, Rod. Carlos Tonanni, km 5, CEP 14870-000 Jaboticabal, SP.
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