Para se ser um indivíduo não é preciso fazer nada, basta sê-lo.
Mas ser um artista que prefere apresentar-se como alguém que terá querido desfrutar da sua possibilidade de ser um indivíduo, é completamente diferente. Por questionar o facto de o ter conseguido considera que para ser um indivíduo não basta existir. É como artista, querendo ou não chamar-se assim, que ele procura os caminhos para desfrutar plenamente da possibilidade de ser um indivíduo.
A noção de indivíduo aparece como o lugar fundador da produção artística.
Na relação dos indivíduos com todas as coisas a ideia de indivíduo parece abarcar tudo. Aqui a definição de arte surge da indefinição dos seus contornos. Para além de qualquer acentuação subjectivista, a ideia de indivíduo nesta obra que, manifestamente, não se assume como autobiográfica (daí a criação da personagem Rrose Sélavy), ganha o seu sentido mais abstracto e universal. E é o sentido filosófico do que significa ser um indivíduo que é o principal alimento e motivação da sua obra.
Daí ter sido evidente o título deste livro e do seu primeiro capítulo. O sentido desta publicação, mais do que dar a conhecer um trabalho singular no contexto das artes plásticas, é explorar a potencialidade que a sua obra tem para nos ajudar a entender a complexidade de se ser um indivíduo. Podemos ler a obra de Duchamp como se estivéssemos numa espécie de processo de introspecção colectiva. Uma introspecção em que cada indivíduo se dissolve física e temporalmente, numa aproximação às essências que fazem dos indivíduos indivíduos.
Ou, simplesmente, a arte como forma de desfrutar a possibilidade de o ser. De certa forma, aqui, podemos encarar a arte como forma de ultrapassar constrangimentos para fruir em maior transparência a possibilidade de sermos indivíduos.
António Olaio
a.olaio[arroba]sapo.pt