A obra póstuma de Lukács Per una Ontologia dell'Essere Sociale2 tem sido alvo de uma recepção no mínimo curiosa. Alguns a consideram uma obra que apenas veio coroar o idealismo que já se manifestara em História e Consciência de Classe(1923).
Outros a consideram uma obra do marxismo «ortodoxo» no sentido pejorativo do termo.
Um terceiro grupo, por sua vez, enxerga nos escritos deixados pelo filósofo húngaro quando de sua morte uma das contribuições mais significativas, neste século, para o desenvolvimento do marxismo.
Não será objeto de nossa investigação, neste artigo, o conjunto deste debate, por mais interessante que ele seja. Nos deteremos em um argumento específico (talvez mais um preconceito que um argumento) que, a nosso ver, tem dificultado a divulgação da ontologia lukácsiana em nosso país. Nos referimos às alegações que, via de regra, consideram a ontologia lukácsiana uma tentativa idealista de renovação do marxismo, por reconhecer o papel decisivo das idéias e dos processos valorativos (moral, costumes, ética, ideologia, etc.) na reprodução social.
Como seria impossível, no espaço de um artigo, a investigação da estrutura global da estrutura da ontologia lukácsiana para a contraposição à esta opinião, resolvemos enfrentar o argumento acerca do suposto idealismo de Lukács aonde ele se faz decisivo: na categoria da objetivação. Como é sabido, é na concepção de como se dá a objetivação que temos a clivagem típica entre o idealismo e materialismo; e portanto, se houver qualquer traço de idealismo na ontologia de Lukács, é nesta categoria que ele se manifestará por inteiro.
O ponto de partida necessário para o exame da categoria da objetivação em Lukács é que, segundo ele, é inerente ao trabalho um impulso à superação da sua imediaticidade através da gênese e desenvolvimento de categorias e conexões categorias crescentemente genéricas e que são heterogêneas ao trabalho enquanto tal.
Argumenta à saciedade que o trabalho, ao se realizar, impulsiona o ser social para um desenvolvimento que dá origem a novos patamares de sociabilidade; estes novos patamares, por sua vez, requerem novas categorias e novos complexos sociais para se reproduzirem, numa dinâmica que Lukács, após Marx, denominou afastamento das barreiras naturais.
Sergio Lessa
sergio_lessa[arroba]yahoo.com.br