Nenhum leitor atento da cena contemporânea deixa de experimentar uma profunda inquietação na literatura. O mal-estar contemporâneo apresenta marcas específicas em relação ao ser humano - e a literatura, conseqüentemente, não fica fora dessas discussões.
Nesse cenário, a prosa vertiginosa de Caio Fernando Abreu (1948-1996) revela o ser humano pós-moderno, fragmentado, espelhado de uma sociedade hegemonizada pelo imaginário do capitalismo de consumo, e que percebe a própria vida “consumida” na sociedade do espetáculo e na angustiante corrida ao sentimento de vazio e solidão.
Fruto de um contexto pós-militar, de proibições, perseguições, exclusão e poder, seus textos enfocam temas que interrogam a vida social, a normalidade, a limitação do narcisismo, o politicamente correto, as regras sociais, a sexualidade, enfim, temas não atribuídos à literatura bem comportada.
Forja-se nessa escritura pós-moderna uma prosa que instiga transformação nas formas pelas quais a sociedade/o leitor se defronta com os desvios, exigindo novas saídas, outros paradigmas, deslocando-se vários sentidos. Instauram caminhos de silêncio e perguntas.O vírus atravessa o texto silenciosamente pelas frestas do sentido, pelas metonímias contextualizadas que inscreve na escritura o inominável e avassalador que domina as cenas.
A AIDS, dentre os vários temas do autor, surge na literatura brasileira como dinâmica perversa de uma escritura que sobrevive nos limites, nos extremos entre a vida e a morte, entre Eros e Thanatos. Isso, no entanto, não equivale à constatação de que o tema em questão sugira a construção de uma literatura com signos que busquem a morte, mas que no risco de morrer ou nas experiências limites, a literatura desconstrua a própria AIDS ou qualquer doença. Ou nas palavras de Joel Birman (2002, p.48).
Rodrigo da Costa Araújo
rodricoara[arroba]uol.com.br