A experiência da Literatura


Inaugurando, em 7 de janeiro de 1977, a cadeira de semiologia literária, do Colégio de França, Roland Barthes (1915-1980) pronunciou uma aula inaugural (editada, em 1978, por Seuil: Leçon), onde, depois de definir a literatura como “uma revolução permanente da linguagem” (BARTHES, s.d., p. 18), indica três forças da literatura, designadas por “três conceitos gregos: Mathesis, Mimesis, Semiosis ( BARTHES, s.d., p. 18). Pela força da mathesis, a literatura abriga todos os saberes, caracteriza-se por ser “enciclopédica” e “faz girar todos os saberes” (BARTHES, s.d., p. 18). O escritor francês levanta a hipótese de que, se todos os saberes devessem, por uma força qualquer, ser abolidos, só a disciplina literária deveria ser salva, “pois todas as ciências estão presentes no monumento literário” (BARTHES, s.d., p. 18). A segunda força da literatura, no discurso barthesiano, é a representação: a representação do real, demonstrável ou impossível. Com a busca do real pela linguagem, ou, foucaultianamente falando, da relação entre as palavras e as coisas, constitui-se a literatura, “categoricamente realista” (BARTHES,s.d., p. 18), na medida em que a literatura é “o próprio fulgor do real” (BARTHES, s.d., p. 18). Mas, se “sempre tem o real por objeto do desejo” (BARTHES,s.d., p. 23), a literatura, paradoxalmente, deseja o impossível, configurando uma utopia, porque o real, tal qual as areias entre os dedos, se lhe escapa; o real foge à literatura, que o busca, como Eurídice desaparece, se fitada por Orfeu (Blanchot). Pela sua terceira força – a semiosis -, a literatura vai “jogar com os signos em vez de destruí-los “ (BARTHES, s.d., p. 28).

Tratando da arte de hoje, hoje, e, em particular, da literatura de hoje, hoje, retomo, mais uma vez e sempre, Barthes, no sentido de pensar a literatura sob o signo da experiência que a literatura, enquanto arte – arte clássica, arte renascentista, arte maneirista, arte barroca, arte romântica, arte arcádica, arte parnasiana, arte simbolista, arte decadentista, arte moderna, arte pós-moderna – produz. Há uma natureza inquestionável da literatura, não importam os tempos e lugares; os tempos e os espaços seriam, na concepção da filosofia aristotélica, os acidentes literários, ao passo que o quid da literatura é sua essência, permanente. No diapasão de Heráclito, direi que a literatura, porque histórica, muda o tempo todo, no mundo; já na pauta de Parmênides, constato que a literatura, pois que linguagem, enquanto linguagem, tem um ser sempre reconhecível. Em Le littéraire et le social, R. Escarpit, depois de afirmar que a literatura existe, pois que é lida, estudada, ocupando bibliotecas, aulas, jornais, tv’s, possuindo instituições, ritos, heróis, conflitos e exigências, estabelece que a literatura “é vivida cotidianamente pelo homem civilizado e contemporâneo, como uma experiência específica, que não se assemelha a nenhuma outra”. Autor paradigmático de toda uma geração de estudiosos da teoria da literatura, o português Vítor Manuel de Aguiar e Silva postula que “a literatura não é um jogo, um passatempo, um produto anacrônico de uma sociedade dessorada, mas uma atividade artística que, sob multiformes modulações, tem exprimido e continua a exprimir, de modo inconfundível, a alegria e a angústia, as certezas e os enigmas do homem. Foi assim com Ésquilo e com Ovídio, com Petrarca e com Shakespeare, com Racine e com Stendhal, com Eça e com James Joyce; continua a ser assim com Sartre e com Beckett, com Jorge Amado e com Nelly Sachs, com Norman Mailer e com Cholokhov, com Miguel Torga ou com Herberto Helder. E assim há de continuar a ser com os escritores de amanhã. Apenas variará o tempo e o modo” (AGUIAR E SILVA, 1979).

Portanto, no diálogo, intensamente intertextual, que contempla a literatura, ressalta-se, constantemente, o seu caráter de experiência, confirmado, inclusive, por Jonathan Culler, talvez o mais importante crítico literário da atualidade, quando, em Sobre a desconstrução, estatui que “a literatura tem como matéria toda a experiência humana e, particularmente, a ordenação, interpretação e articulação da experiência (...)” (CULLER, s.d, p. 17). Para esse crítico norte-americano, “desde o romantismo, a literatura tem sido, potencialmente, o modo mais abrangente de discurso” (CULLER, s.d., p. 200), cuja experiência abraça os saberes mais imprevisíveis; portanto, a experiência da literatura estrutura, ao fim e ao cabo, a própria experiência humana, mutável, mutabilíssima, todavia cotidiana. Ao jogo de espelhos, que ocorre em inúmeros textos literários, sejam narrativas dentro de uma narrativa, poemas dentro de um poema, ensaios dentro de um ensaio, chamam-no os teóricos da literatura com uma expressão francesa: mise en abyme, traduzida, precariamente, por visada no abismo. Com efeito, a experiência da literatura volta o ser humano para o abismo de sua existência.


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Latuf Isaias Mucci
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