O meu pai era um apreciador de ópera italiana e por isso durante a minha adolescência ouvi bastante alguma dessa música. Não gostava muito , com duas ou três excepcões, e rápidamente formulei a opinião de que a ópera era um espectáculo cheio de convenções absurdas e , além disso, o mais evidentemente ligado ao poder político e à sua ostentação. Ainda não tinha percebido que todos os espectáculos têm convenções, que o poder se infiltra onde quer que seja, e, se o meu pai gostava era natural eu querer gostar de outras coisas, não é assim ? (o famoso complexo!)
As minhas convicções sofreram um abalo quando um dia fui levado quase à força a uma Traviata e depois de bastante tempo de protestos interiores contra o que via e ouvia , senti uma emoção indescritível quando os dois protagonistas se encontram perto do final e cantam notas no registo agudo enquanto dão um abraço.
O que é que me teria comovido ? O facto de ela estar perto da morte e finalmente poder abraçar o seu amado depois de muitos obstáculos ao amor entre um jovem respeitável e uma mulher de má fama ? A condução musical das duas vozes ? Pensei finalmente que se fosse só teatro não seria a mesma coisa e se fosse só música também não, e pela primeira vez pus em dúvida a justeza da opinião de Pierre Boulez de que "era preciso fazer explodir os teatros de ópera"!
Quando, quinze ou vinte anos mais tarde, Lisboa 94 me convida para compôr uma ópera , não hesito, mas sou obrigado a desistir mais tarde, por várias razões.
António Pinho Vargas
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