Vivemos em um país tão informal e carente de padrões que talvez não seja demasia chamar a atenção para a carga de civilidade contida nos rituais com que homenageamos nossos maiores. De fato, um dos costumes mais civilizados da vida acadêmica é a organização de coletâneas sobre o pensamento de um autor do qual se reconhece senhoridade, isto é, liderança intelectual em uma determinada disciplina ou área de pesquisa, ou sobre uma ou duas gerações. Os aniversários dos sessenta, setenta ou oitenta anos são as oportunidades para agregar uma série de pesquisadores - discípulos, companheiros, interlocutores e mesmo críticos -, em torno de projetos de reavaliar seja um livro que tenha sido particularmente inovador, seja o conjunto da produção e a trajetória de vida de uma personalidade que fez avançar o conhecimento, influiu politicamente ou marcou o modo pelo qual um grupo de pessoas vê o mundo. Quando a coletânea é bem organizada e os participantes são gente de talento, então o produto final pode ajudar a fixar os grandes traços de um pensamento, tornar mais nítida sua riqueza e diversidade e até mesmo iluminar alguns aspectos que não eram evidentes quando foram formulados no calor da hora.
É esse o caso de A Grande Esperança em Celso Furtado, conjunto de ensaios que Luiz Carlos Bresser Pereira e José Márcio Rego, professores da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, organizaram para homenagear o economista aos seus 80 anos. O livro, publicado no final de 2001 pela Editora 34, traz, além da apresentação, 14 textos que exploram diferentes facetas da elaboração intelectual e da participação política daquele que foi, seguramente, o cientista social brasileiro mais influente no século XX.
Como um brinde, traz também uma síntese exemplar da visão furtadiana sobre “O processo histórico do desenvolvimento”, originalmente um capítulo de Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961) que fora retirado quando esse livro foi bastante refundido e ampliado em Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico (1967). Lembrando a distinção de Sartre, deve-se dizer que ao lado da obra mestra Formação Econômica do Brasil (1959), esses dois livros comprovaram o fôlego teórico de Furtado e consolidaram sua posição como criador, isto é, como “filósofo” e não apenas como mero “ideólogo”, reprodutor, continuador ou aplicador do pensamento de outrem.
Gildo Marçal Brandão
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