A metalinguagem como recurso literário em dom casmurro
Paula Melo
Síndea Botêlho
(Universidade Católica de Pernambuco)
Não há abismos entre o leitor e Machado de Assis. O mestre brasileiro, o bruxo do Cosme Velho, contradiz os conselhos de Mario Vargas Llosa aos aspirantes a escritores que diz ser fracasso ou abismo do estilo aquele momento em que o leitor se mantém lúcido lendo uma história, ou seja, consciente de estar lendo uma história. Pois se, em todo Machado, o leitor é personagem, convocado mesmo a participar da trama e às vezes até guiando a mão do autor para que este lhe crie um enredo sob medida, o abismo aqui não é abismo, mas o ápice de um estilo que marcaria a carreira do mestre brasileiro. …exibir mais conteúdo…
Apesar de protagonista, o narrador é, antes, narrador-personagem e narrador-não-onisciente, que, por definição, se difere do narrador-onisciente por só ter acesso a informações que presencia ou às que tem acesso por meio de terceiros. A recepção do público ledor oitocentista foi de condenação à adúltera Capitu. Numa postura quase ingênua, os famosos olhos de ressaca criaram o abismo (amoroso) de Bentinho, às vistas dos críticos da época. Machado, por seu lado, não defendeu nem Capitu nem Bentinho, deixando para a posteridade novas leituras, que surgiram nos anos 1960, quando uma crítica norte-americana colocou Bentinho no banco dos réus, acusando que Dom Casmurro tratava-se de uma história de ciúmes, e não de traição, como se julgava. Helen Caldwell considerava Dom Casmurro o Otelo brasileiro. Após a perspicaz e nova leitura de Caldwell, o romance é levado em reconsideração pela intelectualidade contemporânea e inúmeras leituras e releituras vão aquecer os debates desde então, sem nunca ter sido provado e comprovado (lembremos que se trata de uma ficção) o estado de marido traído para Bentinho. Iluminado por esta concepção oriunda dos estudos de Caldwell, Roberto Schwarz, especialista na obra de Machado de Assis, estabelece, em A poesia envenenada de Dom Casmurro:
O livro solicita três leituras: uma romanesca, onde acompanhamos a formação e decomposição de um amor, outra, de ânimo patriarcal e