Indice
1.
Introdução: a verdadeira razão da
prisão
provisória.
2. Justificativas extrínsecas da
prisão provisória
3. A razão
intrínseca da prisão provisória: o
princípio do devido processo legal
4.
Conclusões
5. Referências
Bibliográficas
1.
Introdução: a verdadeira razão da
prisão provisória.
Todos os institutos jurídicos modernos somente
possuem eficácia e legitimidade quando, em sua
aplicação, são baseados nos
princípios constitucionais que os regem e determinam seu
funcionamento. DWORKIN (1986) afirma que os "direitos são
baseados no valor ou
importância dos interesses que protegem" (p.189), e se os
direitos são proclamados constitucionalmente, infere-se a
necessidade de respeitá-los, pois provêm de um
interesse magno, a dignidade da pessoa humana. Assim, pode-se
notar que, de acordo com a Constituição Federal
Brasileira de 1988, as leis nacionais devem ser invocadas e
utilizadas sempre dentro do paradigma do
Estado
Democrático de Direito, conforme determina o artigo
1o, caput da Carta Magna:
Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito (…).
O Estado Democrático de Direito é uma forma de
organização política
essencialmente democrática, onde existe a
submissão
da atuação do poder estatal
em relação ao direito, sempre criado e consagrado
pelas vias democráticas. Há uma espécie de
hibridez, como explica CANOTILHO, citado por BASTOS & MARTINS
(1989), pois "o Estado de Direito é democrático e
só sendo-o é que é Estado de Direito; o
Estado democrático é Estado de Direito e só
sendo-o é que é democrático" (v.1, p.420).
OLIVEIRA completa o pensamento, ao lecionar que "não
existe um direito autônomo sem uma democracia
realizada" (p.9), demonstrando o vínculo intrínseco
entre legitimidade do direito e democracia.
Fica bem clara, portanto, a vivacidade dos elementos direito e
democracia dentro do paradigma constitucional brasileiro. Nada
mais saudável para uma nação, do que ter
como centro de suas decisões políticas
as próprias determinações de seu povo,
influenciando em todos os outros campos de convivência, e
ao que mais interessa nesse estudo, nas abrangentes arestas da
justiça. Segundo SILVA (1996), a democracia "é um
processo de convivência social em que o poder emana do
povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo
povo e em proveito do povo" (p. 127). Dando relevância ao
aspecto democrático, o Estado de Direito, na visão
de MATA MACHADO (1995), possui essa denominação
"porque o direito é dado habitualmente por ele" (p.40).
Assim sendo, o poder emanado do povo deve fornecer o
próprio direito ao povo, em seu total benefício, e
em prol das garantias fundamentais da pessoa.
Logicamente, se as vias democráticas legitimam o Estado
Democrático de Direito, o princípio da
constitucionalidade torna-se, dentro desse contexto, o eixo sobre
o qual se move todo o direito existente. Na
explicação a respeito do princípio da
constitucionalidade, são plenamente pertinentes as
palavras de ALIGHIERI (1999), pois trata-se de um "formal
princípio, que produz, conforme sua qualidade, o escuro e
o claro" (p.23), ou seja, é sua aplicação
que determina o nível de fidelidade das leis à
luz da
Constituição que as proclama. Pregando que todos os
processos de produção e aplicação das
normas devem
seguir as determinações previstas na Carta Magna,
PALAZZO (2001) ensina que "o princípio da
constitucionalidade acaba por encontrar sobre o seu caminho o
princípio democrático, o que presume a
legitimação democrática das leis" (p.5),
reafirmando a ligação intrínseca existente
entre direito e democracia.
Também de acordo com SILVA (1996), uma
Constituição legítima, embasada no
princípio da constitucionalidade, é aquela "que
vincula todos os poderes e atos deles provenientes" (p. 126). No
ponto de vista de FERRAZ JÚNIOR (1994), a
"constituição é lei fundamental, é um
conjunto de normas articuladas que tecnicamente viabilizam os
procedimentos para que realmente a atividade organizada da
sociedade possa se desenvolver" (p.231). Isso significa que as
ações do Poder Público devem seguir sempre
as diretrizes do princípio da constitucionalidade,
proclamando em conseqüência outro princípio
determinante, o da liberdade.
A luta pela Constituição democrática
é a própria luta pela defesa da dignidade, e a
idéia de liberdade, dentro do Estado Democrático de
Direito, está profundamente vinculada à
realização da dignidade da pessoa. Na
concepção de MAGALHÃES (1999), uma pessoa
livre corresponde a "um indivíduo portador de todos os
direitos que possam permitir a sua completa
integração à sociedade em que vive. É
um indivíduo que não tem apenas o direito à
sobrevivência, à vida biológica, mas o
direito à vida com dignidade" (p.101). Não se trata
de se possuir liberdade para se fazer tudo o que se quiser, e sim
de se possuírem meios para a realização das
necessidades da pessoa digna. LALANDE, citado por ALMEIDA-DINIZ
(1995), salienta que a "pessoa é uma realidade concreta,
onde decorrem as características que devem presidir ao
raciocínio jurídico: racionalidade, liberdade,
originalidade (…). Não se trata de uma fórmula
matemática, mas de uma realidade vivida e
conhecida por todos nós" (p.77-78). Nesse conjunto, a
pessoa livre é aquela que possui as
condições essenciais para desenvolver suas
potencialidades, enquanto detentora de dignidade, por meio da
educação, saúde, cultura, e
dentre outras, a justiça. A liberdade é um alicerce
fundamental para que a pessoa possa usufruir esses direitos,
realizando sua dignidade, que segundo TOLSTOI (1955), nasce da
"consciência e das leis da razão" (v.2, p.626), ou
seja, da vontade de liberdade inerente à pessoa
humana.
Como já foi evidenciado, uma das necessidades
básicas de uma pessoa livre, isto é, possuidora de
dignidade, é a de contar com todos os meios
legítimos para garantir, dentro do processo jurisdicional,
o seu fim maior, a justiça. A idéia de TOCQUEVILLE
(1977), que disserta sobre o dever das leis de se submeterem
à "cor da justiça" (p.87), no caso presente,
está ligada ao fundamento de que, em momento algum do
processo, se atentará contra a dignidade dos envolvidos na
controvérsia penal. SUANNES (1999) defende que um dos
aspectos do processo "é precisamente o respeito à
liberdade do ser humano, cuja dignidade não pode ser
comprometida pelo poder estatal" (p.154). No ponto de vista de
MANTOVANI (1999), "uma justiça justa (…), na sua
inesaurível perfeição, é a resultante
de um direito penal justo, que sancione sem
discriminações os fatos realmente ofensivos (…),
e de um processo penal justo, que assinale o ponto de
equilíbrio entre a exigência da verdade e a garantia
do indivíduo" (p.637). Em termos mais claros,
haverá justiça, se a cada envolvido no processo
jurisdicional forem assegurados os direitos previstos na
Constituição Federal de 1988, que prescrevem quais
são as garantias da pessoa perante as normas penais e
processuais penais. Conforme MONTESQUIEU
(1993), "é da excelência das leis criminais que depende
principalmente a liberdade do cidadão" (p.204). Essa
magnitude da lei penal e processual penal, que garante a
liberdade, só existe quando há obediência
às disposições constitucionais.
A prisão provisória, consubstanciada por normas
penais e processuais penais, só possui legitimidade e
razão de existência a partir do momento em que
é nutrida pelo princípio da constitucionalidade, em
sua vertente conhecida como princípio do devido processo
legal. Quando são respeitados todos os elementos do
princípio do devido processo legal, se pode proclamar a
prisão provisória como válida; esse
princípio é seu fundamento, e por conseguinte, a
verdadeira ratio de sua existência. DEL VECCHIO (1950)
entende que as normas devem ser aplicadas "segundo um
princípio ético que as determina" (p.208), e o
princípio ético da prisão provisória
é o devido processo legal.
Está prescrito no artigo 5o, LIV da
Constituição Federal de 1988:
Art.5o(…) LIV – ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal.
Mais adiante, encontra-se outra determinação
fundamental, no artigo 5o, LXI da Carta Magna de
1988:
Art.5o(…) LXI – ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente(…)
A exegese feita entre os dois artigos demonstra que há
harmonia constitucional entre prisão provisória e
princípio do devido processo legal. No artigo
5o, LXI a Constituição consagra a
existência da prisão provisória, que possui,
a bem da verdade, várias razões extrínsecas.
No entanto, à luz do artigo 5o, LIV, existe
também uma razão intrínseca: o
princípio do devido processo legal. A partir do momento
que todas as diretrizes determinadas por esse princípio
são observadas, não há como se questionar a
legitimidade da prisão provisória, que ganha
razão de existência, entrando em plena conformidade
com o paradigma do Estado Democrático de Direito.
Portanto, a prisão provisória é
válida porque, dentro do ordenamento jurídico,
está em acordo com o princípio do devido processo
legal, uma conquista constitucional que deriva principalmente dos
princípios da liberdade e da dignidade da pessoa,
essenciais à afirmação da justiça,
que de acordo com RAWLS (1973), "é a primeira virtude das
instituições sociais" (p.1). Sendo uma virtude
basilar, deve ser garantida pelo direito, pois iuris nomen a
iustitia descendit, o nome do direito descende da
justiça.
2. Justificativas
extrínsecas da prisão
provisória
Antes de se aprofundar no importante tema do
princípio do devido processo legal como razão
intrínseca da prisão provisória, é
necessário que se façam considerações
gerais a respeito do próprio instituto da prisão
provisória, justamente para que o entendimento daquele
assunto se torne mais claro e coerente.
Aspectos gerais das medidas cautelares
A rigor técnico, a prisão provisória
é também conhecida como prisão cautelar de
natureza processual. MANZINI (1952) afirma que ela "consiste em
uma limitação mais ou menos intensa da liberdade
física de
uma pessoa, para uma finalidade processual penal" (p.466).
Através do instituto da prisão provisória,
se restringe a liberdade da pessoa, tendo em vista a tutela do
processo. As medidas cautelares são formas de se garantir
a defesa de determinados direitos, até que se confirme a
tutela definitiva, isto é, a guarda e a defesa da
sociedade mediante o direito. A prisão cautelar é
imprescindível para que a lei penal impere, quando
necessário.
Acredita-se que processo cautelar é sempre instrumental em
relação ao principal, ou seja, é um
instrumento para que haja legitimidade no principal. Como ensinam
CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO (1999), uma das
características do processo cautelar "é sua
instrumentalidade ao processo principal, cujo êxito procura
garantir e tutelar" (p.317). As normas instrumentais servem para
que se obtenha a resolução dos conflitos, por meio
de um comando com atuação futura. No caso da
prisão provisória, o cárcere ad custodiam
existe para que se garanta o sucesso do julgamento do processo
existente, e se apliquem, nos casos cabíveis, as penas
determinadas em lei. É uma garantia de que se reveste o
ordenamento jurídico, justamente para que suas
prescrições sejam obedecidas de maneira correta e
justa. As medidas cautelares servem, sucintamente, para garantir
o bom funcionamento da função jurisdicional
estatal.
Além disso, partindo-se do pressuposto de que o
processo é uma luta contra o tempo, instaurando-se sempre
em vista a determinada situação inicial, que tende
a se transformar em uma situação final, deve-se
preservar essa situação final de eventos
prejudiciais à sua configuração. Portanto,
os fins da medida cautelar penal são justamente as
cauções de que esses prejuízos não
irão ocorrer, tornando possível a finalidade
pretendida dentro do processo. Deliberam CINTRA, GRINOVER &
DINAMARCO (1999), claramente, que a garantia cautelar "é
destinada não tanto a fazer justiça, como a dar
tempo que a justiça seja feita" (p.36).
Destaca-se, contudo, que a luta contra o tempo não pode
ferir as garantias da pessoa. O processo deve ser célere,
sem que isso signifique a abolição dos direitos
proclamados constitucionalmente, direcionados pelo
princípio do devido processo legal. O ensinamento virtus
est in medio deve ser aplicado a cada caso, e se os requisitos
legais estiverem configurados, a medida cautelar ganha
legitimidade certa. VON IHERING (1996) proclama que "o direito
é (…) uma força viva. Por isso a Justiça
sustenta numa das maõs a balança em que pesa o
direito, e na outra a espada de que serve para o defender. A
espada sem a balança é a força brutal; a
balança sem a espada é a impotência do
direito. Uma não pode avançar sem a outra, nem
haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com
que a justiça aplica a espada seja igual à
habilidade com que maneja a balança" (p.1). Portanto, a
espada, que determina o emprego das medidas cautelares, deve ter
uma relação harmônica com a balança,
que protege as garantias constitucionais. Nos dizeres de SHAKESPEARE
(1978), "a severidade da Justiça (…) que desperta da
lei" (p.139) na verdade é controlada pela balança,
em favor dos direitos primordiais da pessoa.
São dois os requisitos essenciais para a
aplicação da medida cautelar de natureza
processual. O primeiro deles é o do periculum in mora. Se
existe urgência em afastar-se o perigo de prejuízo
ao processo, resultante do decurso do tempo, a medida cautelar
torna-se necessária.
Por outro lado, é também importante o requisito do
fumus boni iuris. A aplicação da medida cautelar
torna-se justa havendo possibilidade, para uma das partes, de
solução favorável no processo principal.
Deve-se fazer um juízo de probabilidade, que indique a
necessidade de intervenção do processo
cautelar.
COSTA JÚNIOR & GRINOVER (1979) lecionam que
"autorizam-na (a prisão cautelar) o fumus boni iuris e o
periculum in mora: a atividade cautelar foi preordenada para
evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse
agravado pelo inevitável retardamento do processo
jurisdicional (periculum in mora); e o provimento cautelar
funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro
provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni
iuris). Verificando-se os dois requisitos, o provimento cautelar
opera imediatamente, como instrumento provisório e
antecipado do futuro provimento definitivo, para que este
não seja frustrado em seus efeitos" (p.134). Desse modo, o
escopo do processo cautelar não é outro,
senão o de assegurar que um estado de fato e de direito
seja conservado, considerando-se que o direito em
controvérsia tenha a plena possibilidade de ser realizado.
Se houver probabilidade de dano à essa potencialidade de
realização do direito, deve-se invocar o pensamento
de PONTES DE MIRANDA, citado por BARROS (1982), que afirma: "A
síntese compôs a pretensão à tutela
jurídica preventiva nos casos de perigo na demora. A
segurança basta-se a si mesma, se é conteúdo
da ação" (p.14). Isso significa dizer que,
ameaçada a segurança, entra em cena o processo
cautelar para garantir a realização do processo
principal.
Complementando, deve a medida cautelar revestir-se
sempre de caráter provisório, pois, por mais que
esteja configurado claramente o fumus boni iuris, sempre
existirá a possibilidade de dano, havendo a probabilidade
de que seja aplicada alguma modalidade de prisão
provisória a uma pessoa inocente. Eis assim a
importância da provisoriedade, somada ao total respeito
às diretrizes do princípio do devido processo
legal.
Até mesmo na Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se proclamavam
esses elementos, dipostos da seguinte maneira:
VII – Nenhum homem poderá ser acusado, sentenciado, nem
preso se não for nos casos determinados pela lei e segundo
as formas que ela tem prescrito. Os que solicitam, expedem,
executam ou fazem executar ordens arbitrárias, devem ser
castigados; mas todo cidadão chamado ou preso em virtude
da lei deve obedecer no mesmo instante. (…)
IX – Todo homem deve ser julgado inocente até quando for
declarado culpado; se é julgado indispensável
detê-lo, qualquer rigor que não seja
necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser
severamente proibido por lei.
Isso revela que a importância desse tema já era
proclamada na Idade da Luzes, pois, a partir do momento em que as
arbitrariedades do Estado em relação à
liberdade da pessoa passaram a ser consideradas ilícitas e
indignas, nasceu a plena consciência de que a
aplicação das leis deve ser regida pelos
princípios maiores da liberdade, da constitucionalidade e
do devido processo legal.
Dentro desse conjunto de idéias, invoca-se o
magistério de REALE (1987), in verbis: "Eis, por
conseguinte, como e porque a justiça deve ser,
complementarmente, subjetiva e objetiva, envolvendo em sua
dialeticidade o homem e a ordem justa que ele instaura, porque
esta ordem não é senão uma
projeção constante da pessoa humana, valor-fonte de
todos os valores no
processo dialógico da história" (p.372). A partir
do momento em que o homem instaurou garantias processuais como
forma de se realizar justiça, passou a projetar nas formas
e matérias do processo a sua própria dignidade,
gerando a obrigação do respeito à mesma, em
todos os momentos. Afirma HASSEMER (1984) "que a busca da verdade
sofre os limites da segurança jurídica no processo"
(p.397), e o princípio do devido processo legal é
um mecanismo que visa manter o perfeito diálogo
entre pessoa e dignidade dentro do processo, conditio sine qua
non de uma ordem justa.
As espécies de prisão
provisória
O termo prisão consiste, em poucas palavras, na real
privação da liberdade física da pessoa,
mediante o processo de encarceramento. Esse processo deve ser
legalmente previsto, pois como expõe BECCARIA (1995), "a
lei deve estatuir, de maneira fixa, por que indícios um
acusado pode ser preso" (p.21).
Doutrinariamente, existem dois grandes grupos de
prisões: a prisão pena, que é sempre
decorrente de sentença penal condenatória
irrecorrível, e a prisão sem pena, que engloba
todas as espécies de prisões não decorrentes
de sentença penal condenatória irrecorrível,
dentre elas, a prisão provisória. MENDES, citado
por NORONHA (1987), ensina que a prisão pena deve ter seu
significado relacionado à palavra "captura" (p.151),
enquanto que a prisão cautela é vinculada ao termo
"custódia (…) para uma finalidade processual penal"
(p.151), o que auxilia na distinção.
O Pacto de São José da Costa Rica,
promulgado no Brasil pelo Decreto 678/92, fornece outro elemento
caracterizador da prisão sem pena, assim disposto:
Art.7,V. Toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem
demora, à presença de um juiz ou outra
autoridade
autorizada pela lei a exercer funções judiciais e
tem o direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou
a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que se prossiga
o processo (…).
De acordo com o princípio da razoabilidade do
tempo do processo, aplicável à prisão sem
pena, o imputado, encontrando-se privado de sua liberdade, tem o
direito de ser julgado em um período de tempo sensato.
MACIEL, citado por CUNHA & BALUTA (1997), ressalta que "sendo
parte principal do processo, tem o acusado o direito
constitucional de ver sua culpa formada em prazo razoável"
(p.101), ratificando o pensamento de BARBOSA (2000), pois "a
justiça atrasada não é justiça,
senão injustiça qualificada e manifesta" (p.31). Na
prisão sem pena, especialmente no caso da prisão
provisória, é fundamental que o julgamento do
imputado seja feito em um prazo razoável, favorecendo a
afirmação da justiça, que segundo ABBAGNANO
(1982) é "instrumento de reivindicação e
libertação" (p.568), e prestigiando a dignidade da
pessoa, o que, nas palavras de BOBBIO (1992), é um "sinal
do progresso moral da
humanidade" (p.64).
A prisão provisória, como medida cautelar de
natureza processual, existe em várias modalidades.
Não obstante, antes de proceder a uma análise
sucinta das mesmas, reafirma-se que elas só são
legítimas quando aplicadas segundo as
determinações do princípio do devido
processo legal, e todo e qualquer abuso à essas
determinações significa uma afronta ao
princípio da constitucionalidade, e por consegüinte,
reveste o ato abusivo de caráter inconstitucional e
ilegítimo.
A prisão preventiva
A prisão preventiva consiste na prisão declarada
pelo juiz em qualquer momento do inquérito ou da
instrução criminal, e seus requisitos estão
apresentados no artigo 312 do Código
de Processo Penal, a saber:
Art.312. A prisão preventiva poderá ser decretada
como garantia da ordem pública, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da
existência do crime e indícios suficientes da
autoria.
ZAVALETA, citado por TOURINHO FILHO (1999), a define como "medida
precautória de índole pessoal, criando para o
indivíduo sobre o qual recai um estado mais ou menos
permanente de privação da liberdade, suportada em
estabelecimento adequado, e que é decretada pelo juiz
competente no curso de uma causa contra o imputado" (v.3, p.463).
Dessa forma, têm-se que a prisão preventiva é
uma modalidade de prisão provisória,
aplicável aos casos onde existam provas e indícios
suficientes da autoria do crime, sendo esses os seus requisitos.
A prisão preventiva é necessária para que o
império da lei penal torne a instrução
criminal conveniente e garanta a ordem pública.
A importância desses requisitos pode ser
ressaltada pela exposição de GOMES, citado por
TOURINHO FILHO (1994), pois "o eixo, a base, o fundamento de
todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles
requisitos da prisão preventiva. Quando presentes, pode o
juiz decretar fundamentalmente qualquer prisão cautelar;
quando ausentes (…) não pode ser decretada a
prisão antes do trânsito em julgado da
decisão" (p.74). Em conseqüência, as outras
modalidades de prisão provisória podem ser
consideradas aplicáveis quando respeitam os requisitos da
prisão preventiva, sem nunca poder-se esquecer do seu
elemento de validade intrínseco, o princípio do
devido processo legal, que na opinião de DEL POZZO (1962)
"assegura um fundamento ético à custódia
preventiva" (p.67).
A prisão em flagrante
A etimologia da palavra flagrante conduz ao verbo latino
flagrare, que significa queimar, arder. A prisão em
flagrante é configurada quando o crime está
ardendo, se perpetrando no tempo. Existe, conceitualmente, no
mesmo instante da consumação do crime.
NOGENT-SAINT-LAURENTS, citado por CASTELO BRANCO (1980),
caracteriza o flagrante como "a plena posse da evidência, a
evidência absoluta, quanto ao fato que acaba de cometer-se,
que acaba de ser provado, que foi visto e ouvido, e em
presença do qual seria absurdo ou impossível
negá-lo" (p.16-17).
NORONHA (1987) afirma ser o momento in ipsa perpetratione
facinoris (p.162), ou seja, em pleno envolvimento com a
infração, o que determina a mais substancial prova
da autoria do fato típico.
A prisão em flagrante está disposta no artigo 302
do Código de Processo Penal, que enuncia os seus
elementos:
Art.302. Considera-se em flagrante delito quem:
I- está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela
autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em
situação que faça presumir ser o autor da
infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos,
armas, objetos
ou papéis que façam presumir ser ele autor da
infração.
Através da interpretação desses
elementos, conclui-se que a prisão em flagrante consiste
numa providência acautelatória, em virtude da
evidente prova de materialidade do fato e também de sua
autoria. Conseqüentemente, a prisão é
justificada para que as autoridades competentes, constatando a
realidade fática ocorrida, colham as provas da
infração e dêem início à
instrução criminal. Ressalta-se essa
função probatória do flagrante, que o torna
a mais eficaz das cautelas de natureza pessoal, pois é
exercitada num momento ardente da prova de autoria, da prova in
faciendo.
A prisão temporária e a prisão decorrente de
pronúncia e de sentença penal
recorrível.
A prisão temporária está regulada pela lei
federal 7960/89. Segundo suas disposições,
presentes nos artigo 1o e 2o , a
prisão temporária é viável quando
decretada pelo juiz, mediante representação da
autoridade policial ou depois do requerimento feito pelo
Ministério Público, no casos de ser
imprescindível para as investigações do
inquérito policial, quando a identidade do indiciado
estiver sob dúvidas ou quando houver fundadas
razões da participação do indiciado nos
crimes dispostos no artigo 1o,III, a-o da referida
lei.
Já a prisão decorrente de pronúncia
está elencada no artigo 408, §1o do
Código de Processo Penal, e consiste no convencimento do
juiz sobre a existência do crime e sobre os indícios
de que o réu é seu autor, cabendo assim a sua
captura.
Da mesma maneira, está também prescrita no
Código de Processo Penal a prisão decorrente de
sentença penal condenatória recorrível, em
seu artigo 594. Constatada a falta de primariedade ou de bons
antecedentes do réu, ela é legal, mesmo levando-se
em conta o aspecto da recorribilidade da sentença.
Por fim, ponto interessante a se destacar é sobre a
validade dessas modalidades de prisão provisória.
Como já foi explicitado anteriormente, para que elas sejam
legitimadas, deve-se encontrar em seus pressupostos os mesmos
requisitos da prisão preventiva, e ademais, deve-se estar
presente o elemento fundamental de sua validade: o pleno respeito
ao princípio do devido processo legal.
A legitimidade extrínseca da prisão
provisória
Vários
são os argumentos encontrados na doutrina processual penal
que pleiteiam a legitimação da prisão
provisória. Muitas dessas justificativas podem ser
consideradas extrínsecas pois, apesar de realmente
legitimarem a prisão provisória, não fazem
parte da sua natureza, como ocorre em contrário com o
princípio do devido processo legal, essencial à
instituição da prisão provisória.
São várias as fundamentações, mas
todas ligadas a um elemento comum: o princípio do devido
processo legal, que é a ratio exceltia da mesma. A
prisão provisória só existe validamente
porquanto esteja configurado o princípio do devido
processo legal.
Um primeiro argumento, muito utilizado para legitimar-se a
prisão provisória, é a necessidade de se
garantir que o imputado esteja presente no processo. Segundo
MANZINI (1952), "o interesse predominante, que determina os
provimentos de coerção pessoal, é aquele de
assegurar a presença do imputado aos atos do processo, e
eventualmente a disponibilidade para a execução da
condenação" (p.466).
A posição acima explanada é válida,
mas data venia é passível de ser complementada. De
acordo com SABATINI, citado por BARROS (1982), "a
expressão da necessidade de assegurar a pessoa do imputado
é vaga e genérica" (p.76). De fato, além
desse aspecto, a garantia constitucional da liberdade individual
se sobrepõe ao critério da necessidade da
presença do imputado ao processo, pois o princípio
do favor libertatis é um dos alicerces do respeito
à pessoa e à dignidade humana. Como ensina FLORIAN
(1932), "todas as normas que resguardam uma
limitação da liberdade pessoal (…) devem ser
interpretadas a favor do imputado" (p.143). Deve-se sempre
balancear a necessidade de se vincular o imputado ao processo,
sem, contudo, atentar-se contra o princípio do favor
libertatis.
Por outro lado, é também louvável o
argumento que preconiza a prisão cautelar como garantidora
da defesa social. Entretanto, a dúvida se instaura quando
se problematiza a respeito da idéia de defesa social. Na
opinião de ZAFFARONI & PIERANGELI, o conceito de
defesa social "é bastante obscuro" (p.96), mas consiste,
em linhas gerais, em "uma prevenção tutelar (…),
uma prevenção que se opera quando se afetou um bem
jurídico tutelado" (p. 97). Percebe-se a amplitude do
conceito, pois muitos são os fatos suscetíveis de
proteção, sem que, contudo, ela seja
necessária. Assim, a utilização do
critério da defesa social, como legitimador da
prisão provisória, poderia colocar em risco a
própria segurança jurídica, cogitando-se a
hipótese em que todo ato estatal, mesmo arbitrário,
justificar-se-ia pela preservação da defesa social,
mesmo que para isso fosse necessário atentar contra as
garantias da pessoa, previstas na Constituição.
Por conseguinte, invoca-se novamente o pensamento de SABATINI,
citado por BARROS (1982), ao dizer que "o instituto da
prisão preventiva tem um conteúdo ético e ao
mesmo tempo jurídico. O imputado, seja inocente ou
culpado, tem o dever legal de colocar-se à
disposição da coletividade, contribuindo,
ativamente, para o poder de justiça" (p.78). Essa
afirmação conduz a um critério de
legitimidade extrínseca da prisão provisória
muito importante, que é o da cooperação
proporcionada ao bom andamento da função
jurisdicional. Esse critério é valioso, porque
não cria um liame entre a prisão provisória
e a execução da condenação, como se o
imputado já fosse culpado, colaborando para a
afirmação do princípio do estado de
inocência, consagrado constitucionalmente. A
cooperação é feita em relação
ao sucesso do processo, e não ao da
condenação. Salienta-se que o termo instituto da
prisão preventiva, anteriormente citado, pode ser
integrado a todas as modalidades de prisão
provisória, pois sua mais elaborada justificativa
extrínseca é a garantia da função de
cooperação. Dadas as evidências de autoria do
crime, o processo jurisdicional deve ser o mais justo
possível, sempre embasado pelo princípio do devido
processo legal, que é a sua razão maior.
Por fim, encontram-se na doutrina outros argumentos legitimadores
da prisão provisória, tais como a garantia de se
evitar que o imputado realize uma fuga, a necessidade de se fazer
uma instrução criminal perfeita e eficaz colheita
de provas, ou a proteção do imputado, preservando
sua incolumidade contra possíveis represálias
advindas do público que clama, em certas ocasiões,
pela solução imediata dos crimes considerados
hediondos. O mais importante, entretanto, é que todas
essas condições de legitimidade só podem ser
consideradas válidas quando respeitam a razão
intrínseca da prisão provisória, que tem,
por natureza, o princípio do devido processo
legal.
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